Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

05
Fev 15

Pintura_222.jpg

(desenho de Francisco Luís Fontinha)

 

 

Sentia que as quatro paredes do silêncio

brincavam nas cinco esferas da insónia

com a mãozinha...

tocava nas quatro sombras da solidão

e dormia

sonhando que sentia

as quatros paredes do silêncio

dentro do meu peito

havia rock na algibeira dos jeans

e a febra abraçava-se a mim

como um poema

não para ti... mas... mas para noite que me ilumina.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quinta-feira, 5 de Fevereiro de 2015

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:47

30
Nov 14

Sinto as tuas mãos

meu marinheiro iletrado

ensanguentadas

poisadas nos meus ombros de xisto

o rio se entranha nas minhas veias

no meu peito socalcos se embriagam

e sentem

o peso da despedida,

 

a lentidão da esperança

mergulhada no lixo poético do meu cansaço

e há mulheres tão lindas... esperando um abraço,

 

e há mulheres tão lindas... esperando um beijo

e sinto

as tuas mãos meu marinheiro iletrado

quando as candeias da saudade acordam

e fingem

que hoje é dia dos tentáculos de sal

das palavras enxertadas de insónia

e meu querido...

as minhas palavras são a febre que alimentam as hélices do corpo em cio

e do clitóris da estória...

sinto as tuas mãos...

meu querido!

 

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 30 de Novembro de 2014

publicado por Francisco Luís Fontinha às 01:05

03
Jul 12

Oiço a cidade a desaparecer para lá da noite

onde se perdem as almas sem nome

de todas as algibeiras construídas em cetim doirado

e mesmo assim

e mesmo assim há quem não tenha medo de atravessar a fronteira

não regressando nunca mais ao fim de tarde junto ao rio

 

as peles flácidas que transportam nos lábios

onde em letreiros gatafunhados se podem ler os desejos da noite

antes das almas sem nome atravessarem a fronteira e sentarem-se sobre as pedras

de nylon com que um esqueleto de óculos escuros constrói as redes para a apanha da solidão

e do chá e das torradas

antes

antes de ele se deitar dentro da sepultura de cordas e pregos de marfim

antes do cerimonial complexo à iniciação dos sem abrigo com cigarros de pluma em oiro

 

oiço o meu nome transformado em “filho da puta”

é a cidade travesti em direcção ao outro lado do rio para lá da noite

gajas chamam-me e eu recuso-me

curiosamente hoje e ontem “FEBRE COM PINTINHAS DE SARAMPO”

antes

antes de deitar-me dentro da sepultura de cordas de marfim

vi um homem louco com uma cabeça de areia embrulhada em correntes de aço

e do chá e das torradas

as redes com que apanhava debaixo da madrugada

pedacinhos de solidão com restos de esperma

e eis que para lá da noite

a cidade cresce nas peles flácidas dos olhos pedrados no pólen

 

(curiosamente hoje e ontem “FEBRE COM PINTINHAS DE SARAMPO”

curiosamente hoje e ontem “FEBRE COM PINTINHAS DE SARAMPO e nunca fui feliz”)

 

eu vi a noite comer os letreiros gatafunhados

e as frases começavam a misturarem-se com os restos esquecidos no passeio dos infelizes...

“vendo todo o recheio da minha biblioteca – motivo Fartei-me dos livros”

“vendo braços e pernas e dentes de madeira – Bom estado”

eu vi

a noite a transformar-se em palavras além da fronteira dos infelizes

com febre e papeira ou sarampo ou gajas a gritarem do outro lado do rio

para mim

eu o gajo mais infeliz do cardápio da infelicidade

eu vi

tu viste

a cidade a desaparecer para lá da noite...

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:01

25
Jun 11

A casa amarela e suja,

Seminua encastrada na serra que a humidade corrói como um barco enferrujado, o aço que cintila e absorve a luz do dia, os bichos que habitam nas minhas árvores e ao final da tarde esperam impacientemente pelo regresso dos estorninhos, ensurdecedor este silêncio de pássaros que lá do alto deixam cair a porcaria esbranquiçada que nas tripas se acumula e alastra como manchas de óleo no pavimento,

- Que faço eu aqui?, diz a casa no silêncio da serra, as janelas de boca aberta na sombra das árvores,

O sol sufoca os pulmões da casa,

Na tosse engasgada quando o meu corpo diminuído se agarrava a um ramo de árvore e parecia um pêndulo em movimento, horas minutos e segundos no recreio da escola junto ao jardim, defecar só no terreno do vizinho, e sentia no rabo o vento fresco da manhã, malditos estorninhos, quando o rabo se encostava às peugadas da sombra das videiras, a escola empenada e de coluna vertebral escorregadia nos bicos de papagaio, tosse tosse nas arcadas da minha mão, tosse na casa amarela e suja nos olhos esbugalhados dos estorninhos durante a noite,

- E feliz eu quando habitada!, agora, agora míseras paredes inclinadas nos dias chuvosos de inverno, as madeiras a alimentação preferida do caruncho ao pequeno-almoço, e das janelas os farrapos dos cortinados suspensos no vento que assobia serra abaixo, e na cabeça os finíssimos fios de cabelo, e eu feliz quando crianças dentro de mim!,

Dos alicerces a ténue nuvem em decomposição, o cheiro a cadáver nas rugas da argamassa,

A casa seminua amarela e suja, das asas o esvoaçar de penas levadas na tempestade, escondo-me na serra, eu sou a serra entregue por vós, e se fez homem ao terceiro dia, o mar, o mar entra-lhe pela janela e um petroleiro envelhecido derrama sémen nos lençóis da cama, lençóis azuis, a cor do mar quando o lavatório se agarra à torneira e água desce pela parede e na terra semeada as flores amargas da primavera, rebeldes, indomáveis, a casa selvagem ou da bruma escuridão das minhas mãos à espera do jantar, e o que é hoje o jantar?,

- Lasanha meu querido,

Outra vez?,

Outra vez o regresso dos estorninhos, e ninguém à espera deles, sobre a secretária “Vigílias de AL Berto” e “ O caderno de Saramago”, nada mais em mim e de mim, a febre estonteia-lhe a cabeça nos lençóis defecados do mar, e o mar entra pela janela, entra o mar e as mãos de AL Berto, e que injusto este pais,

- Porquê outra vez?,

Ainda ontem…

Nas flores do jardim e hoje não abelhas, das flores do jardim o silvado onde se escondem as lágrimas da casa, a serra a ser engolida pelos estorninhos quando a luz se acende e ela indefinidamente sente o chão em movimento, o peso de anos e anos de olhos cerrados, debruça-se na ribeira e da ribeira,

- Ainda ontem o jantar lasanha,

Os pratos seminus dentro da casa amarela e suja,

Encastrada na serra que a humidade corrói como um barco enferrujado, na testa VENDE-SE, vende-se sucata, mobílias que acabam de chegar da  ortopedia, ainda estão quentinhas, radiografia aos pulmões, e o alcatrão do cigarro preso às paredes velhas e sujas do amarelo esquecido no tecido da saia, e vende-se o petroleiro e os estorninhos que não cessam de cagar, o chão em manchas de óleo, o chão,

- Aleluia Aleluia, Deus proteja esta casa,

Esta casa que se esfarela nos seios da serra,

Tristes e sinceros, e de olhar carrancudo me olham e deixaram de me desejar, dentro da casa a pele húmida e macia onde na parede um calendário parou no dia 25 de Junho de 2011, sábado, 25 de Junho de 2011, um dia como tantos outros não fosse o mar entrar pela janela…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:26

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