Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

08
Abr 16

ela partiu numa manhã de neblina

levava na bagagem a solidão dos dias e das noites acorrentada à minha mão

olhou-me pela última vez

(alguma vez te disseram que tens o coiso grande?)

Disse-me adeus

E quando alguém nos diz adeus é para sempre

Aos poucos desapareceu na neblina

Sentei-me num banco de pedra

Cruzei os braços

Puxei de um cigarro na esperança que alguém me oferecesse lume…

Pequei num livro que ela me tinha oferecido no dos outros encontros furtivos

Sempre em esconderijos

E vi o mar deitado a meus pés

Que mais eu poderia querer?

neblina

sentado

um livro

e uma ausência programada

a falsa partida

o dia mais feliz da minha vida

saltava

dançava de alegria

esta finalmente livre…

e foi a manhã mais linda de Lisboa

num qualquer Novembro cinzento e escuro

as gaivotas poisaram sobre mim

transeuntes sorriam-me e eu sorria-lhes

a felicidade era tanta que tinha medo de ser mentira

felizmente

não o era

tinha-me libertado da menina mimada

 

 

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 8 de Abril de 2016

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:00

15
Set 12

este amor cinzento

afogado na garganta do deserto

este amor

doente

sem vento

que corre magoado dentro dos cortinados da noite

insensato homem de xisto com um coração de vulcão

este amor fino e doente e cinzento

como uma tempestade de granizo

e um ferro de insónia na mão

à procura de um olhar aberto

no ventre doente dos cortinados da noite

 

há ovos sem juízo

recheados com chocolate e pedaços de mel

este amor

ausente

lentamente

mergulhado em dor

e finíssimos beijos de papel

em suor amor flor...

 

estes lábios filhos do amor cinzento

este mar ausente

no lamento

das noites mergulhadas no sono do desejo

fio de beijo

na janela sem vidros para a felicidade

 

(levantava-me silenciosamente

e via os barcos de algibeira em algibeira

de boca em boca

de mesa em mesa

as garrafas da vodka suspensas no tecto que o púbis da dor engolia

os ciúmes

os fósforos silenciosamente

comprometidos com os alpendres do amor cinzento)

 

e eu era feliz...

 

hoje

meia dúzia de palavras burburinham nos restos da maré

e nos meus olhos os óculos escuros da morte

perdidos na planície do amor cinzento

 

e eu era feliz.

 

(poema não revisto)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:59

17
Jul 12

Os olhos de vidro

da melancolia

sem destino

dentro de um livro abandonado

 

o frio poema mergulha

na febre labial das estrelas

a lua em ondas curtas

à volta dos gemidos do sol

 

os olhos de vidro

no livro sem sentido

 

a melancolia sem destino

na tristeza dos meninos

que se escondem na chávena de chá

e das torradas do peque-almoço

 

sem saudade

sem perceber que das paredes da felicidade

brotam fios de luz

e dias desalinhados

 

de vidro

de vidro se partem as flores do amanhecer

de vidro

os olhos

e a caneta de tinta permanente

de vidro

de vidro o amor invisível e proibido...

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:52

05
Jul 12

Podia ser feliz

ou um barco

sem vela

podia ter sido uma rua da cidade de Luanda

entupida no lixo deambulante sobre a noite

podia ter sido o mar

o amor

o eterno veneno

a dor

podia

podia ter sido uma abelha misturada com a chuva

ou a paixão do silêncio

 

ai se eu fosse as amêndoas da tarde

em forma de poema

sobre a morte acidental

 

podia ser feliz

ou um livro de poesia

adormecido na prateleira da insónia

(podia ter emprego e dinheiro e assim já me conheciam

e assim

e assim já me cumprimentavam...)

podia ter sido o capim

e as mangueiras

e os triciclos de madeira

 

mas quis deus

que eu fosse um caixote

com paredes de vidro made in China

com coração de árvore

quis ele

quis deus

 

(podia ter emprego e dinheiro e assim já me conheciam

e assim

e assim já me cumprimentavam...)

 

que eu falasse como os pássaros

e gritasse como as nuvens

e desenhasse nas paredes da infância

a morte simplesmente bela

toda nua

à janela

quis ele

quis ele que eu fosse um poema sem palavras.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:37

28
Abr 12

Nas paredes curvilíneas da memória

poiso os meus braços de prata

acaricio pacificamente

os meus lábios de incenso

e as pinceladas do meu rosto

vagueiam livremente no vidro transparente

de linho amanhecer

antes do pequeno-almoço

 

oiço a tua voz misturada

nas acácias do fim de tarde

oiço-te enquanto me olho nas paredes curvilíneas da memória

sem palavras sem estória

 

sem nada

 

poiso os meus braços de prata

acaricio pacificamente

os meus lábios de incenso

e nas pinceladas do meu rosto

acorda a madrugada

cresce uma rua sem saída

suspensa numa cidade imaginária

com muitas portas e janelas

e calçadas

e velhos que se esqueceram de acordar

e fingem orgasmos pulmonares

e constroem a felicidade

num vão de escada

sem nada

com barcos mergulhados

em oceanos testiculares

 

sem nada

 

de mão dada

às paredes curvilíneas da memória

os meus braços de prata

pacificamente acariciados

felizes

contentes

tal como os velhinhos

num vão de escada

 

sem nada...

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:50

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