Hoje percebi que sou um inútil
Que não gosto do mar
E detesto as flores,
Hoje percebi que não sei escrever
Odeio a poesia
E detesto os livros…
Hoje percebi que sou um imbecil
Que nem pintar sabe…
Hoje percebi que nem para fazer sombra sirvo
E hoje está sol
Hoje percebi que detesto gaivotas
Os pássaros e a noite,
E não gosto dos plátanos.
Hoje percebi que os cachimbos não me fazem feliz
E que tudo quanto escrevi até hoje,
Hoje percebi que lixo.
Hoje percebi que há minha volta
Não mãos para segurarem a minha sombra,
- mas tu nem sombra tens…
É verdade meu amigo…
Hoje percebi que não tenho sombra
E o peso do meu corpo começa a escoar-se no vácuo
Ao ritmo do nada,
Aos solavancos como uma polia constipada.
Hoje percebi que tudo à minha volta é a fingir;
A noite não é a noite,
A madrugada não é a madrugada,
E o luar não é o luar…
Hoje percebi que nem o sono me quer…
Hoje percebi que os meus olhos não são verdes
E que a maré não existe,
Hoje percebo as lágrimas dos meus olhos
Quando um paquete passa por mim e me acena,
E sem fingir me abraça na neblina.
Hoje finalmente percebi que não sou nada,
Sou um caixote desgovernado
À deriva no espaço.
Hoje percebi que além de ser um inútil
Sou um vagabundo,
Sujo,
Imundo…
Porque hoje percebi
Que é impossível eu perceber não ser feliz,
Hoje percebi que se eu deixar de viver
Nada se importará com a minha ausência…
E eu acreditava que tinha sombra
E que as flores eram belas…
Luís Fontinha
11 de Março de 2011