Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

13
Mar 12

Confuso

Porque o silêncio se acorrenta às gaivotas da noite

E dentro da solidão

Uma criança

Inventa sombras na água do mar

 

Uma criança

Finge que esqueceu a ilha do Mussulo

A baía

Finge que os machimbombos eram pássaros

Suspensos nas mangueiras do quintal

Finge…

 

Finge que Luanda se abraçou ao cacimbo desgovernado

E derreteu-se antes de acordar o dia

 

Confuso

E dentro da solidão

Um espelho confuso

Inventa sombras nas mãos da criança

Quando a noite se evapora nos limos embalsamados do desejo

Finge que Luanda se abraçou ao cacimbo desgovernado

 

Uma criança

 

(Uma criança

Finge que esqueceu a ilha do Mussulo

A baía

Finge que os machimbombos eram pássaros

Suspensos nas mangueiras do quintal

Finge…)

 

Antes de acordarem as palmeiras dos teus olhos.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 01:36

27
Ago 11

Nunca li um livro, O que são livros, Pai?, e tão pouco sei o que são livros, diz-me que é tudo mentira, Pai, É tudo mentira, Filho, os livros não existem, os livros somos nós sentados em bancos de jardim, Verdade, Pai, sim, Filho,

 

E uma menina que passeia junto ao mar, e eu seguro a mão do meu pai na baía de Luanda, e perguntava Levas-me ao mar, Pai?,

 

Ao mar, Filho?, sim, pai, Ao mar, O mar não existe, filho, Não existe?, Não, filho, não existe, Mas tu levavas-me a passear em Luanda, Em Luanda, filho?, Que ideia, nós nunca estivemos em Luanda, Nunca?, Nunca, filho, nunca, É tudo mentira,

 

E a menina, pai, a menina também é mentira?, Sim, filho, é tudo mentira,

 

Nunca li um livro, e tão pouco sei o que são livros, e nunca estive em Luanda, e o mar, o mar não existe, É tudo mentira, Filho!, e eu, eu sonhava com livros, e olhava o céu, e do céu penduravam-se silêncios na manhã, olhava a rua, uma menina passeava num cavalo, fincava os bracinhos no portão e adormecia ao som do seu galopar, os cabelos levantavam-se e enrolavam-se nas nuvens,

 

Uma voz chamava-me, e o martelar da sombra nos canteiros das flores não me a deixavam ouvir, a voz repetia-se e nas folhas das mangueira Vem para dentro, Filho, virava a cabeça e esquecia-me, E era tudo mentira,

 

Dizes-me, Pai, Dizes-me que nunca estivemos em Luanda, E o Mussulo que me levavas todos os domingos?, É tudo mentira, Filho, tudo, O Mussulo não existe, O mar não existe, Luanda não existe, e os domingos, Que têm os domingos, Pai?, Os domingos não existem, Filho,

 

É tudo mentira, nunca li um livro, tão pouco sei o que são livros, e nunca estive em Luanda,

 

E os barcos, Pai?, Não existem, Filho, os barcos não existem, tudo é mentira, são apenas sonhos que cresceram dentro de ti, e as manhã, as manhã não existem, e tu não és meu filho, e eu não sou teu pai, é tudo mentira, e o teu nome, Sim, Pai, O que tem o meu nome?, O teu nome é Ataíde, Ataíde, meu Filho,

 

Os livros não existem, os livros somos nós sentados em bancos de jardim, Verdade, Pai, sim, Filho, verdade, É tudo um sonho, meu Filho, sonhos, e sonhos, e sonhos, e a menina que passeia junto ao mar, Sim, Pai?, É um sonho, tudo mentira, tudo, toda a tua vida são apenas sonhos, Que ideia a tua, meu Filho, Luanda, nós nem nunca estivemos em Luanda…, quanto mais levar-te ao Mussulo…

 

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:55

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