Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

08
Ago 20

Amanhece nos teus lábios

Um corpo de linho.

Suspenso numa cama inventada pelo desejo,

Acaricio-te suavemente e com medo de te acordar

Do sono alicerçado na madrugada.

Oiço-te gemer em pequeníssimas sílabas de silêncio,

E de dentro do vento,

Um lençol de espuma, branco entre soníferos de alegria,

Abraço-te; tenho medo de magoar o teu corpo de porcelana,

Quando desce a montanha, em direcção ao rio…

Uma enxada trabalha arduamente na sombra dos socalcos envenenados

Pelo apito do comboio embriagado,

E, ao fundo, o túnel da solidão escorrendo um líquido viscoso, sem cor,

Derramado nos trilhos dos animais nocturnos

Onde habita o teu sorriso.

Espero. Canso-me de não te ver,

E, quando te vejo, nua como todas as luar nocturnas,

Escrevo-te,

Desenho-te,

Simplesmente te abraço.

Amanhece nos teus lábios

O sorriso de menina adormecida,

Ensonada como todas as vírgulas

No texto impregnado de estórias…

Acorda em nós a insónia.

Madruga o poeta nas ruelas do engate,

Escreve versos,

Prostitui-se nas palavras…

E dorme no teu peito; não sofro, meu amor,

Porque os teus olhos são estrelas de papel…

Dançando no Universo.

Acordas-me.

E todo o sonho não passa de uma mentira

Para me afastar de ti.

Corro.

Beijo-te.

Sabendo que amanhã é Domingo.

E todos os versos serão teus.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 8/08/2020

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:27

07
Jul 20

Lua mulher,

Corpo de luz,

Palavras vadias,

Cansaço dos dias,

Luz,

Corpo de lua,

Luar,

Em desejo,

Nua…

Abraçada ao mar.

Luar de mulher,

Palavras de vento,

Sorriso de gente,

Papel quadriculado,

Lua,

Corpo abençoado,

No tempo,

Quando desce a ribeira a montanha da fome,

Em delírio,

Sem nome.

Corpo,

Olhos de pergaminho,

Pássaro cantante,

Dançando no ninho,

Socalcos nos braços,

Enxada na mão,

Mulher em poesia,

Mulher em abraços.

Soluços da madrugada,

Luar,

Mulher desejada,

Na luz,

No poema…

Na alvorada.

 

 

Francisco Luís Fontinha

07/07/2020

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:39

14
Jun 20

Sou uma rocha,

Que dispensa o sono,

Plantam-se rosas no seu sorriso,

Gritam-se silêncios de revolta,

Entre paredes amarelas e sem juízo,

Sentado no trono,

Correndo pela seara,

Sem ninguém à volta,

Sem ninguém no terreno,

Sou uma rocha,

Aquela palavra proibida,

Suspensa no livro sereno.

Sou tudo aquilo que possam imaginar,

Desde pedra a foguetão,

Desde verso a palavra envenenada,

Desde o mar,

À triste canção.

Sou.

Muros de xisto olhando o rio,

Cansaço,

O frio,

Sou socalco maltratado,

Corpo,

Ferro,

Enxada calcinada na sombra do Senhor,

Sou. Sou pedra.

Palavra desejada.

Enxada,

Veneno da madrugada,

Sou rocha,

Sou tudo,

Não sou nada.

 

 

Francisco Luís Fontinha

14/06/2020

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:08

20
Mai 20

as palavras construídas nos teus olhos

das palavras dos sexos em delírio

às palavras sem destino

quando o mar avança

a terra se esconde

na tua mão

as palavras de nada

que eu escrevo para ti

são palavras envenenadas

palavras

cansadas

nas palavras amadas.

as palavras do menino

as palavras em lágrimas

poemas

palavras

choradas

as palavras que escuto na tua mão

quando o sol se deita na alvorada

são palavras

palavras de nada.

ai as palavras dos teus lábios

poesia que escorre pelo meu corpo

são palavras abandonadas

na tarde das palavras.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 20/05/2020

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:07

15
Mai 20

Sem ti, sou um pequeno ponto de luz nos braços da solidão.

Uma simples folha em papel,

Sem ti, sou um pedaço de terra, calcada pela desilusão,

Uma labareda de nada, entre sorrisos e abraços.

Sem ti, sou a cidade em combustão,

Crianças que guerreiam por um pedaço de chão.

Sem ti, os peixes cintilam dentro do aquário,

No leito cansado do pensamento.

Sem ti, sou um pequeno achado,

Palavra emagrecida, esplanada só, sem ninguém,

Sem ti,

Sou,

Aquele abraço aborrecido,

Dormindo na tarde.

Dormindo na esperança,

De um dia, sem ti,

Escrever nos teus lábios.

Sem ti, sou a personagem secreta da noite,

Sou lua enganada,

Sou luar das plantas inanimadas,

Sem ti, sou o jardim junto à calçada.

Sem ti, não sou nada.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 15/05/2020

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:51

08
Mai 20

És as asas dos meus sonhos.

Os lábios pincelados da minha janela,

És a canção do meu sorriso,

Poema sem jeito, barco, barcaça, caravela,

És o silêncio da minha cidade,

Palavras semeadas na minha aldeia,

És o Sol sem juízo,

Nas noites de Primavera.

És a voz trémula dos sinos em descanso,

O mar calcetado pela esperança,

És o Rossio em demanda,

Passeando na calçada,

És gaivota,

Madrugada.

És a fala amestrada

Das noites choradas,

Beijo na despedida,

És o corpo ausente

Das varandas envenenadas

Pelas abelhas do nada.

Pelas abelhas da Ira.

És o oiro,

Verso em construção,

És o mar salgada da insónia,

Quando absorve o teu corpo na alvorada.

És rochedo,

Medo,

Palavra brava…

És a janela,

A porta,

Da cidade sem nome,

Que privilegia as flores do cansaço.

És rio,

Riacho,

És o calendário da insónia,

Nome,

Morada,

Das ruas em ebulição.

És o vento em aflição,

Bandeja de esplanada,

És tudo.

Não és nada.

És beijo e desejada.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 08/05/2020

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:15

30
Abr 20

Naquela tarde, a saudade alicerçava-se ao sorriso e, este, convalescente do medo, dava a mão à solidão, os pássaros brincavam nas janelas do silêncio, saltitavam como pedras envenenadas por uma laranja de mau-gosto, o amor,

- amas-me?

Como sempre, poisada nas escadas do sótão, a caneta de tinta permanente, às vezes cansada dos versos sem nome, sublinhava na escuridão as sílabas que apodreciam no jardim lá de casa,

- Tenho medo,

Dizia-me ela ao acordar,

E, no entanto, as almofadas continuavam suspensas na janela do sótão com fotografia para a noite, descia os cortinados, sentava-se no colchão envergonhado pelo sémen e, nada, apenas o cheiro intenso do alecrim, um pequeno ramo que o afilhado tinha deixado pela Páscoa,

- O folar, apelidavam-no de poema inverso, desplante manhã de Primavera, entre a agonia de um dia e a tristeza da noite, velhinha, folgaz, teimosa nas camadas finas de poeira que assombravam os móveis,

Mesmo assim, ao deitar, preparava um beijo, flores amargas, sonolentas, que a faca da cozinha laminava como drageias no imenso clarão da cidade,

- O Padre,

Bom dia, bom dia,

Que horas são?

Incêndios entre corpos carnívoros pelo cansaço do sexo, é tarde, dizia ela, e o amar entrava sempre sótão adentro,

- Estou longe,

O ausente, camuflado homem das tristes sobrancelhas, rabugento, feliz pelas palavras das abelhas e, todas as marés anoiteciam no falso ouro das grandes avenidas que circundavam o sótão da saúde, tenho medo,

- Amanhã o Inverno será tardio, o feriado, um pouco mais de azul, na poeira que adocica todas as palavras do dicionário, como sempre, a saudade, o amor, a paixão,

- A paixão come-se?

Às vezes, meu amor, às vezes come-se; outras, bebe-se.

 

 

Francisco Luís Fontinha

30/04/2020

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:38

27
Abr 20

Sem Título.jpg

 

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:01

30
Mar 20

cemiterio.jpg

Alguém morreu, pensei eu, o portão do cemitério aberto, os pinocos anti estacionamento colocados a preceito para que ninguém se alicerçasse ao pequeníssimo espaço, tudo sinal de que haveria um velório.

Parei, peguei num minúsculo cigarro de fumo, folheei o Jornal Público e, sobre as árvores o silêncio dos pássaros, alguns, adivinhando qualquer coisa de estranho, talvez eles já soubessem que alguém se tinha despedido da realidade e enveredado pela sinfonia do Adeus, perguntei-lhes

- Quem morreu?

Que não sabiam, tinham acabado de regressar de viagem e, verifiquei três o quatro pessoal, vestidas de negro, que pareciam esperar alguém,

- Temos medo, Senhor,

Medo, perguntei eu?

Do vento, diziam eles, medo do silêncio e, das amendoeiras em flor,

Percebo, percebo, mentalmente refazia-me do susto de alguém ter adormecido durante a noite e ninguém à sua espera quando regressasse,

- Sabe, Senhor?

A morte é triste,

Pára um carro funerário, lá de dentro sai um caixão escuro, vestido de tristeza, as poucas pessoas que o aguardavam, choravam, em silêncio e, o mar estava longe, poisei o Jornal, deitei no cinzeiro a beata que restava do meu alimentado cigarro, apetecia-me acompanhar o velório, mas não o fiz, fiquei sentado,

Um dos pássaros começou a cantar:

 

Capitalista de merda

Mete o dinheiro no cu

Dá o dinheiro ao operário

Que trabalha mais do que tu

 

Vai o enterro a passar

Foi a filha do operário

Que morreu a trabalhar

 

Fiquei incrédulo, não acreditava no que acabava de ouvir, entre lágrimas, alguém desenhou um finíssimo sorriso de sangue e, entre o sol, as flores aplaudiam como se o cansaço das lápides estivesse a terminar,

- Acabou, acabou disse-me ele,

E, tudo acaba; entre silêncios e lágrimas de chocolate.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

30/03/2020

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:22

29
Mar 20

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São horas.

Trago nos pulsos a terminante esperança de caminhar junto ao rio. As luzes das palavras são a caminhada para o futuro, já não tenho medo de caminhar, Paris é lindo, são os poetas, como eu, são os pintores, como eu e, os livros, como eu.

Também eu sou um livro, talvez a poesia tenha acordado em mim, já cá estava, sempre esteve, e agora, voltou a acordar. São horas são horas de caminhar em direcção ao caminho que sempre quis percorrer.

Tenho saudades, mãe, muitas saudades das tuas mãos, quando a colocavas no meu rosto, cinzento, fumegante dos cigarros envenenados e, o pai inventava lágrimas no meu olhar. As ruas estão recheadas de gente, bonita, nova, sempre a correr em direcção ao nada, com fome de escreverem na palma da mão o cansaço olhar da melancolia madrugada, já não tenho medo, mãe, já não tenho medo de amar, sorrir e, correr.

No entanto, às vezes, o poço que existia, deixou de existir, cansou-se de mim, morreu. Paris, mãe, Paris é linda, subi à torre Eiffel, quase que te encontrei, mas não estavas lá, ontem fui visitar uma igreja, coloquei uma vela por ti e pelo pai, sei que tu sabes que eu, o teu querido filho, não acredita em Deus, mas tu acreditas, mas o pai acredita, espero que gostes.

São 20:00 horas.

Comprei alguns livros, sobre o Louvre e sobre a cidade de Paris. Sabes, mãe, sou louco por livros, sabes, mãe, gosto de escrever, e escrevo-te deste sítio belo e encantado, todas as noites, e tu vais ajudar-me a vender os meus livros, os quadros e, no entanto, as palavras são o bálsamo da minha estória.

São 20:00 horas, a caneta expressa-se, vinga-se nas minhas mãos e, as palavras soltam-se como uma bala disparada por um canhão de espuma. Desenho-te no meu peito, escrevo-te, sinto as ruas desertas e não consigo adormecer com o silêncio das lâmpadas do desejo, oiço a voz das tristes alegrias e, por vezes, oiço a tempestade, e todos os livros dormem.

Que saudades do Pacheco. Meu querido Pacheco! Que saudades…

São horas. São horas de dormir, de comer, de passear em todos os caminhos, sempre em desespero de conseguir acompanhar o sofrimento da minha alma. Os pássaros, mãe, os pássaros que habitam na minha mão e, talvez estas palavras sejam o princípio de uma história, um velho poema amarrotado, um silêncio disperso na madrugada ou, nada.

Que saudades, meu querido Luiz Pacheco, que saudades das tuas palavras, palavras que absorvo com a saudade, com o medo, da noite, e é na noite que me perco nestas ruas esfomeadas de luz.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Paris, 07/03/2020

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:39

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