Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

26
Mar 19

Oiço-te.

Penso nas tuas sílabas quando poisam nos meus lábios,

Oiço-te, a cada madrugada, a cada hora passada,

Quando eu deitado, na esplanada encerrada,

Descanso de pessoal,

E, no final do dia, as palavras embriagadas,

Quebram o teu silêncio,

Como uma fechadura,

Pobre,

Nua,

Oiço-te.

Na vanguarda da noite,

Carregado de cartazes,

Lutando contigo,

Lutando…

Até que um dia, novamente,

Perderemos a guerra,

Já o senti,

Já o vivi,

Mas hoje,

Hoje tenho o prazer de te ouvir.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

26/03/2019

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:50

28
Fev 19

Da tarde emancipava-se a lunar luz do horizonte, tenho lágrimas nos olhos sombreados pela tempestade, como ontem, o limite entardecer que ofusca a madrugada, não sei se acordará em mim o feitiço do entardecer, está frio em ti, tens na mão o silêncio da noite, somos dois,

Perco-me em ti,

Somos dois pássaros revoltados com o orvalho, diariamente sentimos as frestas da sonâmbula rua adormecida, só e triste,

Perco-me em ti,

Triste nos horários invisíveis, a cidade acorda, submete-se ao abismo,

Tenho medo, mãe.

Perco-me em ti, meu amor, desde a infância até hoje, perco-me em ti todas as manhãs quando acordam as árvores do meu quintal, os pássaros, mãe, os pássaros choram por ti, e

perco-me...

E sei que não regressarás mais aos meus braços, e sei que deixarei de escrever nas tuas mãos as palavras adormecidas pela chuva gélida de Inverno, saberás que um dia vou navegar para longe, saberás que um dia serei duzentos e seis ossos em fino pó, como a terra que nos alimenta nas estrelas,

Perco-me.

Da tarde, uma gotícula de tristeza desce o teu invisível cabelo, saberei que amanhã não estás, saberei que amanhã as minhas mãos serão tábuas de silêncio suavemente suspensas no teu rosto,

Perco-me em ti, meu amor,

Sabes, mãe?

Trinta dias sem rumo a navegar nesta barcaça,

Tens medo, filho?

Trinta dias escrevendo nas ondas o teu nome, desenhando o vento nas nuvens dos teus lábios, e, um dia vamos acordar na longínqua Luanda, com palmeiras, com capim e mangueiras...

Tens medo, filho? Não, mãe, não tenho medo da tua sombra ao acordar.

 

 

Francisco Luís Fontinha

28/02/2019

publicado por Francisco Luís Fontinha às 16:57

01
Mai 16

(à minha mãe)

 

Sou um marinheiro sem barco nem porto onde aportar.

Trago comigo a âncora da solidão cravada no coração,

Trago comigo a ausência do destino abandonado,

Sinto-me um velho encravado nas estrelas,

Pegando num livro de um poeta morto; todos os meus poetas morreram…

E pertencem agora aos meus sonhos.

Sou um verdadeiro falso,

Um falso feliz caminhando junto ao Douro,

Descendo os socalcos do teu corpo,

Encurvados na paisagem abstracta do silêncio,

Sou um privilegiado,

Tenho o dia e a noite,

Doce paixão dos mares amargurados,

Dos barcos apaixonados,

Como eu,

Apaixonado pelas tuas palavras,

Não vás.

Tenho nas veias o rio da morte,

A insónia saboreando o suspiro da noite,

Sofro tanto… meu querido,

Os apitos junto ao mar,

Eu menino agachado nas saias da minha mãe,

Via a cidade escurecer,

Desaparecer,

E morrer,

Apenas caixotes de recordações,

E o beijo da minha mãe,

Sou um marinheiro da madrugada,

Um sifilítico cadáver do desejo,

Nos teus braços,

Mãe,

As fotografias dos negros rostos da nossa infância,

As palmeiras que incendiavam o teu amor,

Junto à baía,

Os gritos das serpentes que deixamos nos quintais das outras brincadeiras,

Os pássaros, mãe, os pássaros,

Junto à janela!

 

 

Francisco Luís Fontinha

1 de Maio de 2016

publicado por Francisco Luís Fontinha às 12:29

09
Mar 15

(para a minha mãe)

 

 

Anoitecia sobre os teus ombros, sombras de sal voavam no teu olhar, como serpentes de papel a brincar numa árvore, eu brinco, tu brincas...

Amanhã?

A luz, os anzóis da tristeza suspensos nos desejos de cristal, não durmo, os sonhos, morrem os sonhos, morrerem as amendoeiras em flor,

E eu,

E eu?

Amanhã, cor-de-rosa, húmidas canções de Primavera nas ilhargas do silêncio, habito, tu habitas e ele

Habita?

Onde, onde?

Ele perdido numa tragédia serrana, a montanha crescia, e ele

Habita,

Anoitecia, e ele caminhava ribanceira abaixo, entra nos picos da alegria... e todo o corpo desenhado, círculos de sangue vagueando nos seus braços, tive medo, mãe, amanhã, mãe, amanhã saberás porque existem os cavalos de areia, aqueles

Como os do Mussulo»

Sim, mãe, sim... como os do Mussulo...

 

 

(ficção)

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 8 de Março de 2015

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:03

21
Fev 15

Desenho_A1_050.jpg

 

(desenho de Francisco Luís Fontinha)

 

 

E a doença sifilítica nos dedos do artista, adormece a tela, o poema e a musa do poeta,

Sinto-me... um suicidado cadáver de esperma, um transeunte canalha com suspensórios e gravata, e sapatos de ponta delgada,

Faltam-me as tuas mãos, mãe,

Café?

Viajo na tua saia e percebo que não temos regresso, regressar é um suicídio sem palavras, uma carta escrita, os motivos da tua ausência, as faltas da tua presença na Igreja, sinto-me quando abres a janela do quarto e tenho a certeza que estou vivo,

Bom dia, mãe...

Meu querido filho!

O livro cresce nas ardósias cinzentas da memória,

Que és enigmático, meu filho...

Que sim, minha mãe,

Que sim,

Telefonaram da Rua dos Mendigos?

Para mim, mãe?

A cidade embriagada nas sandálias do pescador, o mar, sempre o apaixonado mar, a paixão azul, do azul literário e poético...,sabes com é, mãe,

Pois,

Sei que semore sonhaste comigo,

Eu?

Sim, tu, mãe,

Quando dizias que aos três anos de idade já voava...

 

 

 

(ficção)

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sexta-feira, 20 de Fevereiro de 2015

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:43

02
Jun 13

foto; A&M ART and Photos

 

Inventavas canções que me adormeciam

desenhavas sombras sobre a minha alcofa com pedaços de papel colorido

olhava-os pensando serem estrelas

ainda hoje confundo-os com as estrelas do céu

e fico sem saber se elas são papeis

ou se os papeis são cores pintadas por ti nas paredes da noite,

 

Colocavas-me um pequeno rádio a pilhas

em som quase nulo

e dizes-me agora que cintilavam os meus olhos

ficava submerso nos lençóis como um barco de esponja

na banheira de plástico onde me banhavas...

e dos meus ainda não dentes coloridos sorrisos vinham,

 

Regressavas a mim com o cacimbo em ti

e trazias contigo o cheiro do capim molhado

húmida a terra

sangravam as rochas as lágrimas tuas quando eu deambulava sobre os telhados de areia...

depois... adormecias em pé enrolada no cansaço

e um dia deixaste-me cair e eu percebi que me amavas...

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha


 

 

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:01

01
Mai 11

Quem sois vós para condenar

Um pobre inocente abandonado,

Que por heroína ter fumado

Não pode descansar.

Quereis julgar

Os filhos dos outros; É culpado!

Esqueceis vosso filho amado,

Também ele julgado por vozes a gritar…

É drogado! É drogado…

E no silêncio, tudo calado,

Uma mãe, lágrimas a chorar.

Quem mais se não ela para nos perdoar!

Também eu tenho mãe e por ela fui perdoado.

Sofreu e continuará a sofrer,

Porque na rua ao passar ouve dizer,

Teu filho foi drogado, drogado…

 

 

Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 11:31

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