Da tarde emancipava-se a lunar luz do horizonte, tenho lágrimas nos olhos sombreados pela tempestade, como ontem, o limite entardecer que ofusca a madrugada, não sei se acordará em mim o feitiço do entardecer, está frio em ti, tens na mão o silêncio da noite, somos dois,
Perco-me em ti,
Somos dois pássaros revoltados com o orvalho, diariamente sentimos as frestas da sonâmbula rua adormecida, só e triste,
Perco-me em ti,
Triste nos horários invisíveis, a cidade acorda, submete-se ao abismo,
Tenho medo, mãe.
Perco-me em ti, meu amor, desde a infância até hoje, perco-me em ti todas as manhãs quando acordam as árvores do meu quintal, os pássaros, mãe, os pássaros choram por ti, e
perco-me...
E sei que não regressarás mais aos meus braços, e sei que deixarei de escrever nas tuas mãos as palavras adormecidas pela chuva gélida de Inverno, saberás que um dia vou navegar para longe, saberás que um dia serei duzentos e seis ossos em fino pó, como a terra que nos alimenta nas estrelas,
Perco-me.
Da tarde, uma gotícula de tristeza desce o teu invisível cabelo, saberei que amanhã não estás, saberei que amanhã as minhas mãos serão tábuas de silêncio suavemente suspensas no teu rosto,
Perco-me em ti, meu amor,
Sabes, mãe?
Trinta dias sem rumo a navegar nesta barcaça,
Tens medo, filho?
Trinta dias escrevendo nas ondas o teu nome, desenhando o vento nas nuvens dos teus lábios, e, um dia vamos acordar na longínqua Luanda, com palmeiras, com capim e mangueiras...
Tens medo, filho? Não, mãe, não tenho medo da tua sombra ao acordar.
Francisco Luís Fontinha
28/02/2019