O movimento pendular da paisagem, o Marão aos poucos de grande a minúsculo, ausente, escoa-se entre as nuvens da manhã, o horário pendurado numa torre eólica, nas rotações da cabeça dentro de mim as roldanas perras, comidas pelo tempo na terra que me transforma os ossos em pó, o meu cão em berros disparatados na peugada das sombras angustiadas da dor, e o Marão evaporou-se no cansaço da noite,
- Só hoje percebi que sou feliz,
E do cansaço da noite dentro do guarda-fato esconde-se o sorriso de um livro, nas palavras as sílabas que se enrodilham na minha mão egoísta, percebo que pior do que eu, existem pessoas, pior do que eu, existem crianças, pior do que eu existem homens e mulheres, o vento levou-lhes o cabelo, o vento leva-lhes tudo, e eu deprimido e com birras,
- Não é fácil olhar no rosto de uma mulher, de uma criança, de um homem, e ver na testa a palavra impressa; morte,
Só hoje percebi que sou feliz, que apesar de nada ter, tenho tudo, felizmente não estou doente, felizmente tenho o Marão para alicerçar os meus olhos e na paisagem do Douro escutar os ruídos do rio, e todos os rios correm para o mar, e aos poucos começo a descer lentamente e prendo-me nos socalcos calcinados pelo sol incandescente da tarde,
- Que pensamentos têm estas pessoas, que esperança,
Eu deprimido e com birras, revoltado com a minha vidinha mísera, eu incendiado pelas palavras e eu um perfeito palerma, arrogante, o Marão evaporou-se no cansaço da noite, e o Douro entre dois mamilos saltitando encosta abaixo, as mãos trazem a esperança de que amanhã vai estar sol, e às vezes, nuvens e tempestades violentas, o Douro é assim, e hoje percebi que sou o homem mais feliz do mundo,
- Não é fácil olhar no rosto de uma mulher, de uma criança…
(texto de ficção)
Luís Fontinha
14 de Junho de 2011
Alijó