Semeiam-se palavras na água do cachimbo,
Brincam sílabas e vogais no fumo do cachimbo. Dizem-me as nuvens que no mar a revolução dos peixes, e no céu, no céu a indiferença dos pássaros, e o vento deixou de soprar,
- Deixem-me em paz, não, não quero saber disso,
Os peixes em revolução, e depois?, os pássaros indiferentes, e depois?, és tão parvo diz-me ela, és tão parvo em semear palavras na água do cachimbo, diluem-se como vento nas searas da minha aldeia, do sino de Carvalhais vem a pontualidade das horas que me irritam, ele a matar o tempo e as pedras aos poucos contra o alvo do canastro, as espigas de milho do ano passado gemem entre as ripas de madeira, a luz roda o corpinho e atravessa as frestas, e nos espaços vazios o sorriso de uma gaivota,
- E o vento deixou de soprar, e a culpa é minha?, deixem-me em paz…
De uma gaivota as asas bordadas com pétalas de rosa, pai, sim filho responde ele pensativamente, porque choram os plátanos, os plátanos?, não, estás a brincar, os plátanos não choram, os peixes não se revoltam e os pássaros, que têm os pássaros pai, os pássaros não indiferentes, e os pássaros e o vento de mãos dadas junto à ribeira, pai, sim filho, mas tu disseste que o vento deixou de soprar, sim disse estava a brincar,
- Carvalhais longe de mim, a eira começa a adormecer e as amarras que prendem o canastro a Favarrel começam a encolher na sombra da noite,
Pai, sim filho, S. Pedro do Sul é tão lindo, sim filho é, olha, sim pai, e tem os Fingertips, e o rio leva-me ao rio, e vou levar-te onde o avô Domingos me levou, onde pai, ao Castro da Cárcoda, onde o silêncio se pinta de branco e os cigarros parecem andorinhas junto ao mar,
. Semeiam-se palavras na água do cachimbo, brincam sílabas e vogais no fumo do cachimbo, e o cachimbo sentado à minha esquerda, o cachimbo impaciente por mim,
Semeio palavras na terra arada do cachimbo, encosto-me à enxada e olho o mar, e Luanda nunca tão perto de mim, e vejo o meu corpo dentro de um quadrado imaginário, e em cada vértice um bocadinho de mim, em cada vértice, Luanda, Alijó, S. Pedro do Sul e Lisboa,
- Deixem-me em paz, não, não quero saber disso.