Cada milímetro quadrado da tua pele que acaricio com a minha mão uma estrela se acende no céu,
Um eletrão corre apressadamente no espaço e embate nas flores poisadas sobre a mesa da sala, uma cadeira ausenta-se e um lugar fica vago, deixei de existir, e apenas o meu retrato pendurado na parede, alguns livros que sobraram da troca de sopas de peixe e garrafas de vinho, marmelada caseira ao pequeno-almoço entre o pão envelhecido e duro e cansado, formigas atacam-me e sobem-me pelo corpo e entram pelo nariz, oiço na alicerçada mesa da sala a minha voz engasgada, e nos meus pés uma pulseira de metal prende-me à perna da mesa, estou só, completamente só, e depois de proferir estas palavras nunca mais vi e ouvi o meu pai,
Contaram-me que desapareceu quando dos cigarros crescia nevoeiro e nos dedos os alicates da tarde e barcos estacionados, deixou a lambreta dentro do álbum das fotografias, atravessa o rio Cuango e pela manhã acorda no antigo Congo-Belga, fez-se à vida, foi protegido pelos soldados da ONU numa fazenda a mendigar arroz com chouriço duas vezes por dia, durante trinta dias, e quando o receituário do doutor Camacho termina regressa novamente a Luanda, tira a lambreta do álbum de fotografias e passeia-se pela marginal,
Estaciona-se junto à estátua da Maria da Fonte,
Todos morreram excerto eu e a medalhinha que trazia pendurada ao pescoço com a inscrição do número treze, nunca ninguém percebeu porquê o treze e nunca ninguém lhe perguntou, Coisas minhas, dizia-nos ele, e também eu tenho coisas minhas,
Um cravo de uma ferradura que me acompanhou durante anos e anos, e que numa noite de bebedeira desapareceu pela janela do quarto enquanto eu dormia aos soluços e em arrepios de frio, existe um crucifixo suspenso num fio de oiro que deixei de usar quando descobri que era ateu e um golfinho em marfim oferecido pelo velho caricas, e três caixas com as porcarias que escrevia na adolescência,
E desde que perdi o cravo da ferradura a minha vida começou a andar ao contrário,
Agora que estou só nada me prende a esta terra, acordo e a mesma angústia que sempre senti desde que regressei de Angola, a dor intensa no peito, a respiração manhosa e em marcha atrás e o meu vizinho a acenar-me na noite Venha, Venha mais, Venha, Venha ver a merda que fez…, e o meu corpo lançado contra a saliva dos lençóis, e o meu corpo em pedacinhos de manga comido pelas pombas ao final da tarde enquanto o pôr-do-sol se despede do dia,
Cada milímetro quadrado da tua pele que acaricio com a minha mão uma estrela se acende no céu, a noite fica dia e o sol adormece nos teus seios de cerejas vermelhas, no teu umbigo deita-se a minha cabeça e do teu púbis oiço a voz silenciosa do mar…