Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

10
Mar 19

As volúpias palavras descendo a calçada, junto ao rio, o mendigo assassina o último cigarro do dia, senta-se junto às escadas do prédio esquelético e com fome, uma brisa sobe até ele, e a vida parece-lhe contente com o aproximar da madrugada,

Todas as pedras à sua volta, choram,

Adormecem as acácias.

Choram com lágrimas de papel amarrotado que o merceeiro deitou no lixo, cobre-se, inventa o calor com lâmpadas de néon…

E dorme.

O néon embriagado pelo silêncio, os dias parecem-lhe horas tardias, doentes, com a mentira debaixo da língua,

E dorme,

As palavras dilaceradas, os livros incendiados pelo teu perfume, e tens no olhar a solidão das flores envenenadas,

E dorme, e dorme, o coração abandonado, por ti, por eles, pela melancolia do dia, e vê em todas as rochas, mesmo as mais pequenas, o sorriso do lobo.

Não estará o mendigo, louco?

E o poeta?

E se a loucura for a sanidade melódicas das palavras ditas?!

Dorme.

O sorriso do lobo, a alegria do mendigo por conversar com o lobo, pois, só este, e mais ninguém, consegue conversar com o mendigo…

É Domingo, dizem eles. Não o sei…

Não o sei, como desenhador de palavras, e, poucas, apenas sei que amanhã nos teus lábios vão acordar as amendoeiras em flores, todas, lindas, belas, elas,

E dorme.

Cansado da viagem.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 10/03/2019

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:56

22
Mai 16

caem sobre ti as estrelas da manhã

o sonífero desejo dos meus braços

encalhado no teu olhar

como a pérola adormecida da paixão

rompendo a montanha do Adeus…

subindo lentamente as escadas do mar

até ao sótão do coração…

a esfinge aventura do terno menino

sobrevoando os cadeados de prata

que aprisionam os barcos de madeira

caem sobre ti as estrelas da manhã

nas sofridas avenidas do prazer

que as cidades imaginadas

comem ao pequeno-almoço

sem o saber…

o mendigo das vestes negras

tropeçando na tristeza

senta-se no almoço sem riqueza…

e reza…

e chora…

porque caem sobre ti as estrelas da manhã.

 

Francisco Luís Fontinha

domingo, 22 de Maio de 2016

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:01

29
Ago 14

Não sei amar,

oiço o ruído da saudade que se acorrenta às frestas da alma,

há uma janela com acesso ao deserto,

não dou importância às pessoas com sorriso de vidro,

ou... ou que habitam as florestas com asas de aço,

têm mãos de palha, há nos seus dedos forcas em espera...

não sei amar,

e oiço do cansaço adormecido o acordar da tempestade,

uma rua dentro da algibeira,

uma moeda que nem dá para almoçar...

quanto mais... jantar,

e o mendigo que me acena e convida para dançar,

 

O menino dança?

 

Vai-te “foder” mendigo que eu não sei dançar,

um cigarro suicida-se nos meus lábios,

e no meu peito deita-se um pedestal encarnado,

não sei amar,

não sei escrever,

não sei fazer anda...

o cigarro grita pelo mendigo,

o mendigo toca-me no braço,

o meu braço começa a flutuar sobre as sílabas embriagadas,

e um poema vaidoso senta-se junto ao rio...

dou-me conta que lá fora é noite,

e não quero sair do útero da noite...

 

O menino dança?

 

Vai-te “foder” mendigo que eu não sei amar...

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sexta-feira, 29 de Agosto de 2014

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:35

25
Ago 13

foto de: A&M ART and Photos

 

hoje és um mendigo igual a mim

uma pérfida folha de papel não correspondida

hoje és um cadáver envergonhado deitado na minha sombra

uma triste e cansada sombra debaixo dos lábios do púbis incenso

hoje és um sexo amargurado

triste como as sílabas empapadas dos livros de nada dizer

como as noites a arder

dentro de ti o comestível prazer

 

hoje finges que não te pertenço

que sou um muro em xisto

balançando sobre a encosta

atiro-me e encontro o rio

hoje és um mendigo igual a mim

fugindo da claridade

e dos beijos zangados em cinzentos fios de sémen...

e dizes-me que sou um palhaço

 

um voador corpo com asas em papel

hoje desperdicei os abraços sobre a lua em fúria

que deus deixou na mão da madrugada

hoje não sou nada

como ontem

como amanhã

hoje és...

apenas uma defeituosa maré de linho com coloridos olhos em verniz...

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 25 de Agosto de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:54

10
Jul 11

Pilantra amarrotado nos caixotes de lixo

Que traz a sombra sobre os ombros enforcados

Nos dentes restos de bicho

Na boca pedacinhos de cigarros,

 

Otário desentendido com a manhã submersa

Um relógio de pulso avariado

Dois dedos de conversa

E está o homem engatado,

 

Deitado no chão da cozinha

Grita na madrugada

Ai Jesus Ai mãezinha

- E isto não é nada,

 

Diz-lhe o outro junto à lareira incendiada

- Que pensavas tu?

Que comias a sopa descansada

E não te ia ao cu?

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:34

23
Mai 11

Chove torrencialmente e na rua as pedras transpiram pelas frestas da calçada, um roedor espreita-me de relance à entrada da sarjeta e tira-me as medidas, 1,75 m e 72 kg, estás tão magro Francisco, eu magro, não, sempre fui assim, e sempre fui assim, o roedor fixou-se em mim, não me admira, às vezes pergunto-me se eu terei mel porque as abelhas sempre à minha volta, e eu não flor, eu não mel, eu uma árvore onde poisam pássaros e cagam nos meus braços, sempre fui assim, os pássaros sempre adoraram cagar sobre as folhas que cobrem o meu tronco, já fizeste alguma coisa hoje, não nada, isto tá fodido é a crise, eu bem estendo as mãos mas as mãos sempre vazias, qualquer coisinha para comer, vai trabalhar pá, amigo ao menos um cigarrinho, vai-te foder, e eu vou à procura do abrigo das platibandas, e enquanto vou eu fornicado, perco os clientes que correm apressadamente e fogem dos pingos que a tarde constrói nos ponteiros do relógio, isto tá mesmo fodido hoje só cinco euros, e não dá para nada…

 

Chove, chove e eu não me dou conta, eu tão magro que os pingos atravessam o meu corpo como se eu fosse um passe-vite enferrujado e pendurado nas paredes da cozinha comidas pelo tempo, a cozinha vazia, não cozinha, a cozinha à minha espera, e eu entro em casa e vou directo ao quarto, deito-me sobre a cama, o meu corpo parece um objecto que acaba de sair da água, o meu corpo suspenso nos olhos do roedor, estás tão magro Francisco, eu magro, não, sempre fui assim, e sempre fui assim, e nas pedras da rua vejo o silêncio do meu corpo e a ausência das minhas mãos, hoje tá fodido, é a crise, só ainda fiz cinco euros, e eu nem isso amigo, hoje nem isso…hoje os pingos que a tarde constrói nos ponteiros do relógio.

 

 

 

(texto de ficção)

Luís Fontinha

23 de Maio de 2011

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 14:23

24
Abr 11

Quem ajuda

Este pobre e velho cansado

Que aos poucos se afunda no oceano

De mãos atadas ao peito

 

De calhau prisioneiro aos pés

Até à mais profunda escuridão

Quem ajuda

Este pobre e velho cansado

 

Quem?

Quem ajuda

Este vagabundo do infinito…

Quem lhe dá a mão

 

Quem ajuda

Este pobre e velho cansado

 

Quem o salva da escuridão?

 

 

FLRF

24 de Abril de 2011

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:11

29
Mar 11

Decididamente ninguém, ninguém gosta de mim. Decididamente nada, nada gosta de mim.

Detesto a chuva, e a chuva não de mim, e a chuva entra-me pela porta dentro sem a ter convidado, gosto do sol, e o sol não de mim, esconde-se por entre as nuvem e não aparece, gosto dos pássaros e os pássaros não de mim, cagam-me na cabeça e eu com a mão a cheirar a merda, gosto muito do meu cão e o meu cão não de mim, e quando pode ferra-me os poucos dentes que tem nos meus tornozelos, e depois, de barriga para o ar, eu sendo um parvalhão, ainda lhe vou coçar a barriguinha, não digo que gosto de dinheiro, e o dinheiro não de mim, e há muito que não o sinto na algibeira…

Decididamente ninguém, ninguém gosta de mim. Decididamente nada, nada gosta de mim, e brevemente andarei livremente pelas ruas de Lisboa, cabelo comprido, barba grande, rosto de fome, e de papelão na mão à procura do melhor sítio para dormir; e estes sim, estes gostam de mim (as ruas, o papelão e o sítio onde dormir).

Decididamente sinto-me só.

 

 

 

FLRF

29 de Março de 2011 Alijó

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 01:33

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