foto de: A&M ART and Photos
Este corpo não é o teu, esses olhos com que iluminas as noites cansadas na solidão da insónia... não são os teus, essa boca, e esses lábios, não te pertencem, não é a tua boca, não são os teus lábios, as noites com que embrulhas as palavras, não o são, as tuas pobres noites embriagadas com sofrimento e dor, e a vida que vives, também não te pertence, não és nada, apenas uma imagem deixada num banco em madeira, sentas-te na penumbra, olhas-me sabendo que eu não te vejo, porque tu não existes, porque tu nunca exististe, és uma mentira pregada numa cruz metálica, foste crucificada quando as nuvens ainda eram nuvens e hoje, como tu
Não são nada,
Esse corpo que estampas nos meus olhos não é o teu corpo, e os seios que trazes no peito... são apenas tangerinas perdidas nos muros de xisto enroladas em socalcos, abelhas e pedaços de pólen, não são nada, e tudo em ti, apenas janelas de cansaço com cortinados de algas com perfume de mendicidade, gostava de ser como tu, invisível, transparente, gostava de pertencer às pedras com películas mergulhadas em sais de prata, gostava de ser uma fotografia tua,
Não são nada,
No sorriso da lua, esse corpo pertence-te?
Como tu, o xisto esfarela-se e voa sobre os limos das volúpias ensanguentada que os mabecos deixam ficar sobre os charcos da infância, saltar à corda, jogar à bola, ao espeto... partir vidros por falta de pontaria, rir, brincar, chegar ao espelho e não acreditar que já não pertences aos corpos verdadeiros, em carne, ossos, palpáveis, comestíveis, corpos como aqueles que vivem nos edifícios das cidades dos machimbombos envenenados pelas tempestades de verniz que sobejaram das tuas unhas, como tu, o xisto esfarela-se e voa sobre os limos das volúpias ensanguentada que os mabecos deixam ficar sobre os charcos da infância, o livro de ti apaga-se, esconde-se dentro de gaveta da cómoda, sobre a mesa-de-cabeceira deixavas ficar as tuas pulseiras, os anéis... e outras tantas bugigangas, e as tatuagens que trazes no teu ombro esquerdo, hoje
No sorriso da lua, esse corpo pertence-te?
Hoje parecem cromos dispersos dentro de uma caderneta inacabada, extinta, húmida quando entra-nos pela janela o jardineiro, o frio, e os arbustos da despedida, depois ouvimos o rio, o rio com braços, pernas, púbis e coxas, e mandíbulas em aço inoxidável,
Ferro forjado,
Enferrujado e velho, as cordas dos tentáculos de vidro invadem o teu corpo, e dizem-me que...
Esse corpo não é o dela,
E dizem-me...
Ferro forjado, ferro e ferro, ferro do bom, ferro verdadeiro, corpo molhado sobre os lençóis da despedida em arbustos de lágrimas, o apito do teu vazio peito, o uivo do teu lento olhar, a bandeira dos teus alegres cabelos... e mesmo assim
Tu nunca exististe,
E mesmo assim...
Gosto de ti, gostava de ti, não o sei... talvez, amanhã, ou
Ontem?
Porquê ontem?
Tu nunca exististe,
E mesmo assim...
Gosto de ti, gostava de ti, não o sei... talvez, amanhã, ou
Ontem?
E nunca sei quando é Domingo, e nunca percebo porque acreditam as rosas nas folhas do teu livro... e ainda lá dormem, e depois
Ontem?
Dizias-me que esse corpo não era o teu, que não, pois as montanhas não falam e os pássaros não são barcos e as sanzalas não são tardes de melancolia, e o musseque não é a Primavera, o Outono...
Gosto de ti, gostava de ti, não o sei... talvez, amanhã, ou
Não falas, e dizes-me que esse
Corpo?
Não, não... e dizes-me que as minhas mãos são de pergaminho.
(não Revisto – Ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 16 de Outubro de 203