Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

12
Abr 19

Sento-me no patamar e lanço pedras socalco abaixo,

Ao fundo, o rio, encurvado, entre rochas e rochedos,

Vinhas e vinhedos,

Como o paraíso da minha infância.

Deitava-me debaixo das mangueiras e sonhava com palavras,

Desenhava na terra o silêncio de um menino, apaixonado pela Lua…

Adormecia,

Dormia até que a tarde se levantava e fugia.

Como eu era feliz naquela altura.

Hoje, sou carrancudo, embrulhado na solidão,

Sou mendigo,

Triângulo,

Foguetão.

O mar vinha visitar-me todas as tardes,

Construía papagaios em papel colorido…

E em frente ao quintal, na rua deserta, corria,

Corria, até que o papagaio se elevava no Céu de Luanda e desaparecia,

Morria, pensava eu…

Com o cordel na mão.

Depois veio a paixão,

Apaixonei-me pelas palmeiras da Baía…

Por aviões e barcos,

Apaixonei-me pela saudade,

Que hoje bate em mim.

O fogo,

A água que adormece o fogo…

Na laranja da loucura.

Durmo, não durmo, durmo, não durmo…

Como o amor,

Encurralado no deserto, recheado de areia branca que só conheci no Mussulo,

E era feliz.

Hoje, hoje sou um fantasma, um mendigo à procura das palavras da infância…

Que nunca mais as encontrei,

Apenas fotografias,

Apenas, pai…

Fotografias.

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

12/04/2019

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:54

11
Jun 17

O delírio fantasma que a paixão oferece nas noites de melancolia,

Vivo nesta cabana encerrada e sem alegria,

Entre livros e papelada,

Entre copos e corpos sofridos na madrugada,

Tenho nas veias o teu nome,

E na algibeira as réstias da fome…

Do mendigo ancorado às esplanadas de lata,

O Domingo termina na sanzala…

No capim brincam as minhas mãos de fada…

Que um papagaio de papel inventou na alvorada,

Sinto neste meu corpo desajustado da realidade

O vício sintético da falsidade…

O orvalho clandestino,

O sorriso do menino…

Na praia do Mussulo,

Só e abandonado,

Só e amedrontado,

Só nos rochedos pincelados de palavras mortas

Pela caneta do poeta,

Fracassado,

Pateta…

O delírio fantasma

Dos arraiais da felicidade,

Foguetes, e pó de enxofre na claridade nocturna do sentimento,

Sofro, sofro e guardo no sorriso a tua despedida…

Sangrando as avenidas

Desta cidade perdida,

Um diário disperso, um livro desassossegado,

O vazio buraco negro do desgraçado…

Mendigo da multidão,

Haja alegria e pão na eira,

Que no corpo da feiticeira

Argamassam os lábios da solidão,

Não durmo, meu amor, deixei de dormir, meu amor…

E passo a horas a desenhar,

No teu corpo, meu amor,

O delírio fantasma da paixão.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 11 de Junho de 2017

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:17

11
Abr 17

O dia vai longo, meu amor,

É quase noite e vejo-me enrodilhado de palavras órfãs que se masturbam junto à paragem do eléctrico,

Dos poucos livros que me restam apena o “fugitivo” ficou a acompanhar-me,

Dizem todos que sou louco, meu amor,

Porque gosto mais de brincar com as palavras do que jogar futebol na areia da parai, onde em criança, esquecia-me das tardes no Mussulo,

O destino vingou, das minhas mãos deixou de haver areia húmida e pedrinhas… que deitava escrupulosamente para um balde em plástico e depois enchia os bolsos de recordações,

O teu olhar, meu amor, na ausência das pálpebras incendiadas pela escuridão,

Ao longe um comboio recheado de crianças e palavras,

Barulhentas, brincalhonas como são as árvores no Outono, diariamente sinto no corpo o dardo envenenado dos teus lábios, quando sei perfeitamente que o amanhã não existirá mais…

Hoje pertenço-te…, hoje pertenço-te e pertenço-me, somos dois catetos galgando as tristes paredes de xisto da tua boca, vim de longe, segredei-te sem perceberes que eu te mentia, nem à hipotenusa consegues chegar… quanto mais a cateto…

Ou a triângulo rectângulo…

O dia vai longo, meu amor,

É quase noite nos meus olhos, e lá fora uma velha cancela geme, os pregos enferrujados, as ripas entrelaçadas num emaranhado de sombras regressadas do Além…

Roço-me no teu corpo e morro.

Abraço-te.

Sem dizer ou escrever que te amo…

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 11 de Abril de 2017

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:27

20
Out 15

O inferno estava próximo, do corredor entranhava-se no meu corpo o cheiro a enxofre e a gajas nuas,

Menos tabaco nesses cigarros…, gajas no inferno?

E canteiros recheados de malmequeres, crisântemos e orquídeas selvagens, imperfeito, o vidro estilhaçava-se, ficou sem cabeça, ficou sem coração, e ficou com o medo misturado nos óbitos grãos de areia, ainda hoje acredito que um objecto depois de crucificado… permaneça o mesmo objecto, mas com formas e cheiros e desenhos…

Menos tabaco, amigo, menos tabaco,

Diferentes, tornam-se ausentes, tornam-se miúdos brincando no musseque, os charcos, o capim descendo a rabina, o miúdo do bibe acreditava na liberdade, e é tão difícil ser-se livre nesse País, tão difícil meu pai, tu sabes

Menos tabaco, menos,

Tu sabes que vivi encerrado entre quatro paredes invisíveis, tu sabes que vivi entre três janelas sem vista para o mar, mas sentia-o no meu quarto,

Lembras-te, filho? Os Domingos junto ao Porto e os barcos pareciam cancelas suspensas na madrugada, lembras-te, filho? Os Coqueiros, as gaivotas comendo os Coqueiros, e tudo apenas imagens a preto e branco do meu imaginário, porque, meu filho

Sim, pai?

Lembras-te do Mussulo?

Sim, pai, sim… a areia recheada de lençóis brancos, a poeira do cansaço vomitando languidas lâminas de azoto, e depois, e depois regressava a noite, dormias, sonhavas, gritavas… e eu, eu sem dormir, comer,

Ao longe, meu amigo, ao longe o inferno, as gajas, as nuas gajas junto à porta do inferno,

Louco, menos tabaco nesses cigarros, menos,

Ao longe a agonia do fim de tarde agachado em cima de um telhado em zinco abraçado a um livro, não sabia ler ainda, mas lia-o, absorvia-o, como hoje o faço, e não sabia ler ainda,

E tu, pai, e tu emprestavas-me os teus livros, e eu, eu dilacerava-me com o cheiro do papel, com as letras, com as imagens, com as tuas palavras “estes livros não são para a tua idade” como se houvesse idade para se manusear e cheirar e “foder” um livro… vigava-me, riscava-os, tal como as paredes do corredor, riscos, riscos, um livro entre gemidos, um livro em pleno orgasmo… Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii…

Desaparecem todas as palavras, o inferno estava próximo, do corredor entranhava-se no meu corpo o cheiro a enxofre e a gajas nuas, pensei (estou em cais do Sodré) não, não estava, nunca lá estive e nego-o, absolutamente,

Menos tabacos nesses cigarros, menos

Aproximava-me, lentamente a minha verticalidade diminuía, sentia-me um miúdo de bibe gritando, berrando, “fodendo” livros com uma caneta de tinta permanente, e nada, até hoje, nada, morreu ele, morri eu, morremos todos.

 

(ficção)

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Terça-feira, 20 de Outubro de 2015

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:54

25
Ago 15

Desenho o sono na almofada do sofrimento,

Pego nos sonhos…

E espalho-os sobre a areia límpida da terra queimada,

Que saudade do cheiro da infância

Correndo no Mussulo,

Que saudade da chuva e do cacimbo…

As mangueiras voavam sobre mim,

Inventava palhaços de pano e triciclos de papel,

O vento embrulhava-se neles,

Eu acorrentava-me às mãos do silêncio,

Desenho,

Desenho o sono na almofada do sofrimento,

Pego nos sonhos…

E escrevo-te estas palavras que roubei às tuas fotografias,

Depois veio a tempestade,

O sono que era apenas um desenho, hoje, hoje é um amontoado de destroços baloiçando no mar,

O barco que nos trouxe morreu,

Os marinheiros, alguns, alimentam-se da sombra num qualquer engate na cidade das gaivotas,

Os cigarros do Tejo… esperam o meu regresso,

E um dia, e um dia regressarei aos teus braços, meu amor.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Terça-feira, 25 de Agosto de 2015

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:37

09
Mai 15

Fiquei sem palavras

Entre três paredes de nada

Esqueci como se vive

Porque perdi-me na estrada

E o sol

Deixou de brilhar na minha aldeia

Tenho saudades

Pai

Dos Musseques

E das gaivotas

Do Mussulo

E dos machimbombos

Em rodopio silêncio

Percorrendo ruas de uma cidade inventada

E a carta

Nunca regressou

Nem vai regressar

Às tuas mãos

O barco que nos trouxe

Levar-te-á

Até ao infinito Oceano do Adeus

Como uma rocha de sílabas envenenadas

Descendo lentamente o papel húmido da madrugada

Tenho medo

Pai

Dos cinco pilares de areia

Que desenhavas na minha mão

Ao pôr-do-sol

Os barcos

E os marinheiros quando brincavam no teu olhar

Nocturno

Viajante

Dos destinos indesejáveis

O ferro em brasa no teu sofrimento

Tenho medo

Pai

(Pai

Dos Musseques

E das gaivotas

Do Mussulo

E dos machimbombos

Em rodopio silêncio)

Como só a morte o sabe fazer…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 9 de Maio de 2015

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:34

29
Mar 15

Os colchões de areia do Mussulo

A hipotenusa brincando no quadrado

E num pulo

O mar

Esboçado nas trincheiras da melancolia

A dor

Adquiríamos as ventosas do desejo

Debaixo dos abraços cinzentos

Nos telhados de vento

O tempo indisponível

Tente mais tarde

Ouvia-a depois da luz se extinguir

Nos rochedos negros do púbis

Havia música nas janelas que o luar desenhou

Nas tuas coxas

Deus brincava nos teus pincelados lábios

Pedia-lhe

Não me respondia

A fala

A palavra prometida

Assustava-me

E fugia

Libertava-me do incenso

E das canetas de prata

Alimentava-me dos brinquedos em plástico

Entre as sombras das mangueiras

Os homens

As mulheres

Ao portão…

Abraçava-me

Beijava-me

E no entanto

Era apenas uma fotografia

Sem pátria

Que gemia

E não sentia

E havia

Nos seus ombros

Um triciclo envenenado pela fogueira da paixão

Eu

Eu tremia

Sem saber que o barco me levava

Nunca mais me trazia

A esta terra sem capim

Nem árvores de veludo

O teu corpo imaginava-se nos tristes arvoredos do sonho

Antes de adormecer

Eu… eu escrevia

Olhávamos as almas

E os becos escondidos na cidade

O Tejo entre azulejos

E livros

O caderno junto aos teus seios

Tão pequenos

Como as estrelas

Como os cinzeiros

Semeados na minha secretária

Papéis orvalhados nos condomínios de luxo

As portas do inferno

Comendo os teus geométricos olhos

Vai caminhando na voz enrouquecida das abelhas

E dos veleiros nocturnos da solidão

Hoje recordo-te nos colchões de areia do Mussulo

Como recordo as avenidas embriagadas

Pelo silêncio obscuro

Sempre tive medo dos teus cabelos

Abraçava-me

Beijava-me

E era apenas uma fotografia

Tão triste

Tão triste que durante o dia

Ardia…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 29 de Março de 2015

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:27

24
Fev 15

Desenho_A1_078.jpg

 

(desenho de Francisco Luís Fontinha)

 

 

Os sete orgasmos do Mussulo, a liberdade sobre as palmeiras invisíveis que me atormentavam, como campânulas de sofrimento, ao deitar, o caixão que dançava deixou de o fazer, dificuldades com o cachê, dispensa de artistas e cadáveres de cera, um altar recheado de almas, tantas almas como os versos do sem-abrigo quando sentado numa cadeira apodrecida de um circo ambulante,

Quero ser artista, mãe!

Nem penses..., nem... penses...

Filho meu não é artista!

Nunca,

Nunca, mãe?

Os sete, juntos, e sós, no Mussulo era mais barato, a saia descaída, o soutien desenhado no peito

E...

Nunca, mãe?

Nunca,

Nunca

No peito uma flecha de sémen rodopiando no gelo do ringue de patinagem,,,, o belo, a dança... e o corpo em pequenas rotações...

 

 

(ficção)

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Segunda-feira, 23 de Fevereiro de 2015

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:13

07
Dez 14

Oiço as tuas palavras mastigadas em prazer,

sinto o círculo das tuas coxas alicerçado ao centro geométrico do meu corpo,

somos apenas um ponto perdido no espaço...

traçamos parábolas na cintilante areia do Mussulo,

e há na tua pele de neblina adormecida... flores,

gaivotas,

revoltas,

palavras gritadas em vão...

e gemidos rochedos ao pôr-do-sol,

não habito em ti... mas há barcos nas nossas veias,

cansados de amar...

marinheiros sem pátria,

toda a gente nos apedreja com silêncios

e medos desgovernados,

somos um ponto em movimento,

temos coordenadas,

e... massa,

a luz que nos ilumina esconde-se entre a chuva miudinha do fim de tarde,

e toda a gente,

em delírio...

chicoteando as nossas sombras,

em pedaços de fotografias embriagadas pelo suicídio...

oiço as tuas palavras mastigadas em prazer,

nesta cidade em ruínas...

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 7 de Dezembro de 2014

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:40

31
Out 14

Olho-te como se fosses um falso espelho

semeado no centro da cidade

olho-te e no teu silêncio há um poema embrulhado em tristeza

sofres

sofres sem dizeres nada

olho-te e não sei a cor do teu sorriso

se tens dores

se...

se preferes sentir o mar

como fazíamos no Mussulo

davas-me a mão e eu sonhava...

hoje... hoje sentes a minha mão e tu constróis lágrimas em papel...

lá fora dança o vento e tu voas como voam os suspiros invisíveis

geme uma árvore

ouve-se o rosnar fervoroso dos automóveis embalsamados

ouvem-se as migalhas de dor correndo montanha abaixo...

lá fora as minhas veias são cinza de cigarro

após cigarro

olho-te... olho-te e não me canso de te olhar

como nunca me cansei dos teus lamentos

olho-te e percebo como eram lindas as sanzalas de Luanda...

e os barcos acorrentados a braços de gesso

sofres

sofres sem dizeres nada...

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sexta-feira, 31 de Outubro de 2014

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:18

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