Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

09
Jan 15

(desenho de Francisco Luís Fontinha)

 

 

tento mergulhar nos teus braços

como se eu fosse um deserto esquecido no mapa

como se eu fosse um cubo de areia

ou... ou uma rua sem nome

na cidade que incendeia

e come

as palavras da liberdade

as palavras da madrugada,

o fumo constrói nos meus lábios montanhas de neve

e fios de gelo

lâmpadas de silêncio

e medo...

e tento

tento mergulhar nos teus braços

como uma criança faminta

uma árvore encaixotada

que o Oceano transportou

e perdeu...

num qualquer porto

numa qualquer baía,

e eu

eu não sabia

que os teus braços são de porcelana

que o teu corpo são socalcos olhando o rio...

e poisa na minha cama

em cio.

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sexta-feira. 9 de Janeiro de 2015

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:52

08
Jan 15

(desenho de Francisco Luís Fontinha)

 

 

O lavatório permanecia triste, havia uma sombra ensanguentada de lágrimas,

Não percebi,

No espelho, o meu rosto desintegrava-se como se eu fosse um cometa, um pedaço de cartão, ou... ou uma caneta escondida numa mão, um muro sólido, robusto... um pulmão quase a rebentar, e os cigarros dançavam sobre os meus ombros, e as palavras atrapalhavam os meus sonhos,

Não percebi, as ratazanas nos cinzeiros de prata, esqueletos de cigarros esperando a chegada do cangalheiro, e no cemitério alguém perguntava

Morreu de quê?

Porra,

E no cemitério alguém perguntava se as cidades são os esconderijos do amor, se as ruas são os sorrisos de uma qualquer flor, e que não, pode lá ser, respeitadamente respondi-lhe

Morreu,

Morreu enquanto olhava a tristeza do lavatório e tentava conversar com a sombra ensanguentada de lágrimas, nada mais do que isso,

Isso... o quê?

Trazia um casaco bordado com lantejoulas, durante a noite sentia-me o palhaço mais pobre do circo da minha aldeia, nunca tinha poisado a minha mão na neve,

Mãe... o que é a NEVE?

Morreu de quê?

Porra,

No espelho, os alicates da saudade suspensos no olhar da madrugada, uma canção voava sobre os telhados de silêncio, não,

Medo?

Nunca tive medo...

Não, nunca tinha tocado na neve, não, nunca tinha sido aliciado pela geada em plena madrugada, e o feiticeiro dos barcos plastificados gritava

Morreu...

E o barco não flutuava, lançava-me ao tanque público... e mergulhava para salvar o meu barco plastificado, e percebi

Não

E percebi que tinha sido enganado, este maldito barco nunca sairá deste tanque sem nome, nómada, anónimo

Como eu?

Sim como eu,

Sim... sim como tu,

E hoje, sinto saudades do lavatório de ferro... e rangem as suas tenras pernas recheadas de reumático, como rangiam os meus dentes quando a geada comia a madrugada,

Medo?

Não, nunca tive medo...

Mãe... o que é a NEVE?

Morreu de quê?

 

 

(texto de ficção)

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quinta-feira, 8 de Janeiro de 2015

 

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:38

22
Jan 13

E se um dia eu te oferecer flores?

Dir-te-ei que enlouqueceste como enlouquecem as serras depois das tempestades de neve, assim, ficar-me-ás nas entranhas mãos que o perfume dos silêncios mares deixam ficar nas pálpebras tristes dos corpos imperfeitos das cidades vazias, dir-te-ia apenas que o amor é uma coisa, fria, compacta, estranhamente estranha, infeliz, as palavras sobre a aldeia onde nasci, vazia

E se um dia eu te oferecer flores? Provavelmente não será amor, acredito que seja o meu velório, e possivelmente não o será, provavelmente seja um casamento, o teu baptizado, talvez, um dia, percebas os meus poemas que escrevi, e deixei

De escrever?

Sobre a aldeia vazia, perdidamente entre duas distâncias, um ponto insignificante algures no Rossio, ou uma recta paralela ao rio tal como os carris que te levavam para Belém, ou talvez

O que me dizes das flores?

De escrever, ou talvez sobeja um ponto final para colocar no paragrafo em suspenso, à espera que regresses do outro lado da circunferência amarela, os círculos de luz, abelhas envenenadas pelas garras ciumentas da tua boca carnívora, enfeitada com cigarros de enrolar e pedacinhos de pétalas de papel,

Ou talvez

De escrever, desesperar até que a morte nos separe, acredites, não acredites, eu vou partir, oiro, marfim, ou talvez, dir-te-ei que enlouqueceste como enlouquecem as serras depois das tempestades de neve, assim, ficar-me-ás nas entranhas mãos que o perfume dos silêncios mares deixam ficar nas pálpebras tristes dos corpos imperfeitos das cidades vazias, dir-te-ia apenas que o amor é uma coisa, fria, compacta, estranhamente estranha, infeliz,

Ou

Dir-te-ia que os telhados são como as flores que tenciono oferecer-te, ou talvez não, ou

Infeliz,

Ou

Dir-te-ia que os telegramas (telegramas?) dir-te-ia que os telhados de papel sobre a aldeia onde nascia arderam, tal como as flores, tal como os poemas do Inverno de écharpe na cabeça à lareira da sonolência à espera que o livro poisado na mão acordasse e se transformasse em simples criança desenhando sonhos nas paredes escuras, nas paredes frias, dos vidros que guardam as janelas

Do amor

Ou,

E se um dia eu te oferecer flores?

Dir-te-ei que enlouqueceste como enlouquecem as serras depois das tempestades de neve, dos vidros que guardam as janelas das palavras que morreram e não servem para os poemas de amor,

Porque

Ou

Do amor,

Nem todas as palavras servem...

 

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

 

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:28

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