Na minha infância tive um amigo, um boneco, a que dei o nome de chapelhudo.
- Avó, cuidado com o meu chapelhudo…!
O meu sofrimento ao ver o meu boneco favorito misturado com as folhas de mangueira espalhadas pelo quintal, dispersas aqui e além, como se fossem a madrugada a acordar. E lá ia eu, a correr contra o tempo, tirar o meu chapelhudo das folhas para que a minha avó não o deitasse para o lixo. Mas às vezes, só me lembrava dele quando o via inerte misturado com as folhas. E ainda hoje não percebo porque lhe dei esse nome… talvez porque tinha um chapéu grande…; talvez.
E o silêncio abundava no meu pensamento. Passava horas seguidas deitado no chão, e de barriga para o ar, imóvel, olhava para os aviões que passavam a baixa altitude. E sei que nessa altura não tinha a noção do tempo e do espaço. Para mim era tudo em linha recta, sem curvas.
- Pai, leva-me a ver os aviões.
E lá ia eu com o meu pai ao domingo de manhã até à pista do aeroporto olhar pensativamente o levantar e aterrar dos aviões. Tudo parecia tão distante, tão longínquo…, e na minha inocência, acreditava que eram pássaros voadores. Pelas ruas de Luanda escondia-me na mão do meu pai, e nos machimbombos que passavam apressados, acreditava que o meu avô conduzia um deles. Passávamos pela Maria da fonte que neste momento no seu pedestal existe um tanque de guerra…, e acabava a manhã no Porto de Luanda a ver os barcos atracados no cais e as pilhas de contentores que se amontoavam pelo porto. E o cheiro? Que saudades.
Duas paixões: aviões e barcos.
Como eu gostava dos Domingos!
As idas à praia do Mussulo que a principio eram uma gritaria para mim. Eu agarrado ao pescoço do meu pai com medo à água.
- Pai, tenho medo…., não quero.
E só regressava a casa ao fim do dia quando o sol começava a desaparecer no horizonte e aos poucos, o anoitecer acordava dum sono equidistante e pessimista.
E havia domingos que ia aos Coqueiros ver o hóquei em patins ou durante a semana, após o jantar, assistir aos treinos. E os gelados do Baleizão? Ai que saudades…
- Mãe, faz-me um papagaio de papel!
E nas tardes que eu não encontrava distracção, lá ia ter com a minha mãe para brincar comigo. Construíamos papagaios de papel. Que depois com a ajuda dela, o via aos saltinhos no Céu azul, transparente e límpido, até que o cordel acabava, e o papagaio saltitava de um lado para o outro, prisioneiro da minha mão.
Que saudades!
- De Luanda?
Sim…, de tudo.
- Eu também! Eu também…
Luís Fontinha
(texto de ficção)