Bates-me à porta, pedes-me silêncio, agachas-te nas sombrias minhas mãos com sabor a tristeza, fazemos um refresco de solidão, abrimos um livro, pode ser aquele, sabes?
O Medo
Exactamente esse, O Medo de “AL Berto”, e sentimos o tempo escoar-se, e sentimos o mar a entrar pela janela, sentamos-nos, um sobre o outro, ouvimos as melancólicas palavras que o rádio a pilhas em pequenos vómitos, lança contra o gesso doente e sujo, de que são constituídas as paredes da nossa casa, um jazigo com duas assoalhadas, perdido no murmúrio cemitério da saudade, sentamos-nos
O Medo,
Bates-me à porta, pedes-me silêncio em troca de abraços, pedes-me beijos por palavras sem destino, palavras cansadas, múmias embalsamadas, pedes-me silêncio, O Medo, perdido, achado, Sabes?
Exactamente esse, esse malandro apaixonado, esse malfadado sorriso que deixaste sobre a mesa, quando partiste, exactamente esse, bates-me à porta, desassossegas-me nas sombrias minhas mãos com sabor a tristeza, sinto-te e sentamos-nos, sentas-te em mim, e
Eu abro os olhos parecendo um barco às curvas em despedidas paixões, precisas dos meus braços, não os tenho, perdão, levou-os o vento quando subtraído às páginas loucas de “O Medo”, tu, eu, nós
Com Medo...
Que o medo, sinto-o, amarfanho-o, e embalsamadas todas as gaivotas que os teus lábios mar deixam adormecer, nos lençóis imaginas o pôr-do-sol, nos lençóis
O Medo, cinzento, feliz, contente, tantas e tantas e tantas palavras indesejadas, tantas, tantas e tantas e tantas palavras amadas, odiadas, palavras
Com Medo
O menino,
Bates-me à porta, pedes-me silêncio, agachas-te nas sombrias minhas mãos com sabor a tristeza, fazemos um refresco de solidão, abrimos um livro, pode ser aquele, sabes? A janela sobre o Tejo, barcos envenenados pela paixão dos peixes, em círculos, todos, os livros, os meus
Medos,
Os meus olhos sabendo eu que sou cego, os meus livros sabendo eu que não tenho, e nunca tive, e não quero ter
Livros?
Paixões como têm os barcos, aqueles que vejo quando abro a janela
Perdão,
Quando abro o livro e folheio-o e os barcos envenenados pela paixão dos peixes, em círculos, todos, os livros, os meus, os teus, olhos de açúcar sobre a copa das árvores castanhas que um louco escultor distribuiu pelas ladeiras inclinadas da cidade dos anjos, e lembras-me as cidades em combustão na lareira que o amor invisível acendeu nas varandas encastradas que o Tejo come, e a noite
Perdão
E a noite consome, ressaca, dói, murcham as palavras do doente e sujo, de que são constituídas as paredes da nossa casa, um jazigo com duas assoalhadas, perdido no murmúrio cemitério da saudade, sentamos-nos, e comemos-nos
Roças o cobertor imaginário no teu corpo de plasticina, deitas-te sobre a tela branca, completamente nua, completamente branca, e comemos-nos, e dançamos abraçados a tubos de acrílico, e dançamos abraçados aos pincéis de fina estampa encaracolada os musgos embrionários dos teus seios, mamas de orvalho que a noite tanto adora, dançamos-nos, e
Comemos-nos,
Sem percebermos que lá fora, chove, sem percebermos que lá fora, Raios
O Medo,
Que lá fora, oiço os teus gélidos gemidos,
Comemos-nos,
No medo, que eu, que tu, que nós
Sentamos-nos e comemos-nos na Paz de Cristo, quando abro o livro e folheio-o e os barcos envenenados pela paixão dos peixes, em círculos, todos, os livros, os meus, os teus, olhos de açúcar sobre a copa das árvores castanhas que um louco escultor distribuiu pelas loucas cidades de amar,
E o medo,
Que eu, com mãos e braços e boca e
Quando abro o livro e folheio-o e os barcos envenenados pela paixão dos peixes, em círculos, todos, os livros, os meus, os teus, olhos de açúcar sobre a copa das árvores castanhas que um louco escultor distribuiu pelas
Abelhas ínfimas manhãs, que nós
O Medo,
Que lá fora, oiço os teus gélidos gemidos,
Comemos-nos,
No medo, que eu, que tu, que nós
Sejamos apenas um sonho, ou pior do que isso, que nós
Sejamos apenas um espelho perdido na paixão, roças o cobertor imaginário no teu corpo de plasticina, deitas-te sobre a tela branca, completamente nua, completamente branca, e comemos-nos, e dançamos abraçados a tubos de acrílico, e dançamos abraçados aos pincéis de fina estampa encaracolada os musgos embrionários dos teus seios, mamas de orvalho que a noite tanto adora, dançamos-nos, e
Comemos-nos.
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó