Do chão emerge a poeira depois da discussão que eu tive com o vento. Não podia aceitar de mão beijada as condições que ele me impunha, e a chuva estava do meu lado.
Eu sentado numa pedra ao abandono junto ao rio, ele soprando ferozmente em torno de mim, e a chuva encostada aos meus ombros, cabeça quieta, a choramingar, triste porque tinha acabado de bater com uma mãozinha numa nuvem,
- e eu triste,
Eu triste e ela é que chorava,
- mariquinhas, quem devia chorar era eu… agora só porque bateu com a mão de raspão numa nuvem…
- de raspão dizes tu, doeu como o caraças…
- coitadinha, que pena eu tenho,
O vento enfurecido,
- vocês os dois não se calam? Começo a ficar farto de vos ouvir,
Pronto, digo eu, não está cá quem falou.
E pronto nada. E eu triste.
E começo a sentir os grãos de areia nos dentes, e ao mesmo tempo que mexia a dentadura arrepiava-me como se estivesse dentro de uma tempestade, olhava para o rio e ele a descansar, quieto, e pensava cá para mim,
- então está bem, este em vez de correr para o mar, não, senta-se junto aos canaviais…, começa a ficar tudo louco,
E de tudo louco eu um pouco. E eu triste.
Começa a ficar tudo louco, e eu acabo de ser presenteado com os excrementos de uma garça mesmo no centro da minha cabecinha,
- que raio, ao ponto que eu cheguei…,
A chuva,
- é a tua decadência,
E quando até os pássaros fazem as suas necessidades sobre nós…, estamos prontos, é o fim,
- pois é chuvinha… e daqui a nada levas um pontapé no rabinho que vais parar à outra margem,
E a chuva cabisbaixa,
- e já agora porque discutiste com o vento?
Parvoíces…
O vento queria que eu voasse sem asas…
- só um louco é que diz uma coisa dessas,
Porquê?
- eu sou a chuva e voo sem asas…
(texto de ficção)
Luís Fontinha
16 de Março de 2011