Ouves-me
Meu amor?
Os pássaros e as flores
Têm sonhos…
Amam
São amados
Brincam nas calçadas de luz
Recheadas de flores
E promessas
A vida parece-me um cadáver
Ensanguentado
Tão frio
Meu amor
Tão frio…
O teu corpo imaginado
Que só o espelho do meu quarto
Consegue projectar
No teu olhar
Flácidas manhãs
Meu amor
Canções de cansaço
Descendo a Calçada da Ajuda
Tropeçava em ti
Meu amor
E caia junto ao rio
Completamente
Meu amor
Embriagado pelas palavras do teu silêncio
Adormecido
Tristes
Ausências
Sem
O destino
O menino
Dos calções
Galgando marés de inferno
Ao pequeno-almoço
Torradas
Leite
Café
O barco
Cambaleando na solidão do vazio
Demoradas veias de argamassa
As construções erguiam-se até a Céu
Sentia todas as manhãs
O cheiro das palavras
Tão frias
Como o teu corpo
Meu amor
Do mármore cancerígeno
O teu sorriso vestido de esperança
O dia estava tórrido
E
Tombava no pavimento das lágrimas
A parada
Uma velha espingarda
Meu amor
Os pássaros e as flores
Sonham?
Amam?
Se apaixonam
Como
Nós
Meu amor?
Como sei se me amas
Se ouves todos os dias os meus poemas
Embalsamados nas ruelas da Ajuda
O frio
Teu
Corpo
Em viagem
Em gravitação
Os lençóis impregnados de desejos
Rodas dentadas
E parafusos
Os moldes
E as equações
Embrulhadas no cemitério da vaidade
Meu amor
A vida
Depois
Da morte
A vida depois da morte?
Acreditas?
Meu amor…
Os guindastes das dores de cabeça
As guitarras brincando numa eira
Longe
De ti
Que
Não
Sei
Se
Existes
Existes
Meu amor?
Como será a alvorada em Marte
Meu amor!
Descia
Descia
E
Tu
Subias
Subias
Descia
Acordava em Cais do Sodré
Trazia uma lápide de sono
Na testa
Amo-te
Ouvia-se dos paralelepípedos da razão
Os uivos do cão
Havia sempre um gajo pronto a engatar
E outro
Meu amor
E outro sempre pronto para ser engatado
Os beijos
Meu amor
Subíamos a Calçada até às cinco da madrugada
Descíamos até ao Tejo
Tu
Suicidavas-te
Depois
Eu
A olhar-te
Como hoje
Sem ninguém…
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 12 de Abril de 2015