Quando o tambor do desassossego entoa no coração da sanzala,
há uma palavra reescrita na pele húmida do amanhecer...
leio... leio SAUDADE...
Sento-me junto ao pequeno charco acabado de nascer,
puxo de um cigarro,
e finjo ver o mar a regressar da sombra das mangueiras,
as pequeníssimas películas de cacimbo alicerçam-se aos meus dedos,
ao longe, mulheres... e fogueiras,
e missangas de medos,
saltitando nos braços cansados de um esqueleto de papel,
oiço o bater fulgurante do zinco conta a solidão de um menino chorando,
Um dia a guerra o levará,
sua mãe morta rezará no altar da areia branca do faroleiro de pedra,
os meus dedos minguam quando um cadáver de insónia poisa no meu cigarro...
e espero... e não regressa o mar,
desce um corpo de prata dos coqueiros envelhecidos,
há uma palavra reescrita na pele húmida do amanhecer...
leio... leio SAUDADE...
e adormeço sem me apetecer,
Em criança brincava com silêncios e um velho triciclo em madeira,
acreditava nas flores,
acreditava que um dia..., que um dia voava como os pássaros,
envelheci, e o meu cigarro terminou quando um paquete de rebuçados atracou em mim,
transeuntes com pesadíssimos caixotes em madeira,
choravam...
e círculos de espuma saltavam à corda no cais dos caixotes em madeira...
perdi-me, e hoje... e hoje sento-me junto ao pequeno charco acabado de nascer,
O mar não regressará nunca,
E,
Quando o tambor do desassossego entoa no coração da sanzala,
há uma palavra reescrita na pele húmida do amanhecer...
leio... leio SAUDADE...
E leio sofrer!
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 25 de Julho de 2014