(à minha mãe)
Sou um marinheiro sem barco nem porto onde aportar.
Trago comigo a âncora da solidão cravada no coração,
Trago comigo a ausência do destino abandonado,
Sinto-me um velho encravado nas estrelas,
Pegando num livro de um poeta morto; todos os meus poetas morreram…
E pertencem agora aos meus sonhos.
Sou um verdadeiro falso,
Um falso feliz caminhando junto ao Douro,
Descendo os socalcos do teu corpo,
Encurvados na paisagem abstracta do silêncio,
Sou um privilegiado,
Tenho o dia e a noite,
Doce paixão dos mares amargurados,
Dos barcos apaixonados,
Como eu,
Apaixonado pelas tuas palavras,
Não vás.
Tenho nas veias o rio da morte,
A insónia saboreando o suspiro da noite,
Sofro tanto… meu querido,
Os apitos junto ao mar,
Eu menino agachado nas saias da minha mãe,
Via a cidade escurecer,
Desaparecer,
E morrer,
Apenas caixotes de recordações,
E o beijo da minha mãe,
Sou um marinheiro da madrugada,
Um sifilítico cadáver do desejo,
Nos teus braços,
Mãe,
As fotografias dos negros rostos da nossa infância,
As palmeiras que incendiavam o teu amor,
Junto à baía,
Os gritos das serpentes que deixamos nos quintais das outras brincadeiras,
Os pássaros, mãe, os pássaros,
Junto à janela!
Francisco Luís Fontinha
1 de Maio de 2016