Enquanto descia as escadas sentia a minha sombra pregada na parede, a sala enorme, a distância entre mim e o tecto a aumentar, eu, eu diminuía conforme os silêncios da mesa, na toalha sentia a minha mão caminhar junto aos talheres, a faca, garfo, e dispenso a sopa, detesto, no copo poisava a cristalina água da companhia, uma merda, uma porcaria, para privatizar, privatizar as sombras e os musseques, para privatizar, privatizar todos os cagalhões das condutas subterrâneas, para privatizar, privatizar todos os pobres e sem abrigo, uma corrente entrelaçada nos pés e, e fogo, todos ao mar, e o problema resolvido, para privatizar, privatizar as escadas e todos os ascensores deste país, para privatizar, e a sombra que eu via pregada na parede enquanto descia as escadas já não minha, acabei de ser privatizado, e antes privatizado que lançado ao mar,
- Estás esquisito hoje não comeste nada
Estou com gases, e a partir de hoje vou deixar de comer.
- E depois?
Depois, depois fico como a burra do outro, do outro, sim, começou a reduzir-lhe à palha e cada dia que passava a palha sumia-se no estábulo, e um dia, um dia a burra vivia sem comer, foda-se,
- Que foi?
Agora que a burrinha não dava despesa é que morre. E também eu, aos poucos, vou conseguir viver sem comer,
- O outro maluco diz que vive do sol
Do sol, qual sol, quando dermos conta já nem sol temos; e até desconfio que Deus deixou de nos pertencer, para privatizar, privatize-se.
Publique-se no blog Cachimbo de Água o texto de ficção,
Alijó, 6 de Junho de 2011
O autor: Luís Fontinha
Sempre este filho da puta a foder-nos a cabeça…