Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

01
Mai 11

Cada dia uma esperança, cada segundo um minuto, um minuto de eternidade, distância, ausência do vazio, e lá longe, no fim do destino, sim, aí mesmo, a minha ilha; a ilha que me viu crescer, aos poucos, umas vezes atinadinho, outras, outras é melhor não falar…

Ao fundo da rua, fica o casebre onde se vende sexo por encomenda, pizzas e demais mercadoria. Também temos café, chã, torradinhas, pensamentos tristes…, e entregas ao domicílio.

Closed.

Amanhecer. E ela não vem há janela. Odeio esta janela. Uma vezes fechada, outras, nem aberta nem fechada, as pestanas de cetim parecem bailarinas a interpretar o bailado; o lago dos cisnes! Piotr Ilitch Tchaikovsky.

Lindo, belo, belíssimo.

Vou passar a chamar-lhe, à tua janela, o acordar do amanhecer, e tu não vens, estás ausente na constelação de Peixe voador, e das oitenta e oito constelações, tinha logo que ir para esta. Tão longe…

Na minha ilha andam a passar-se coisas muito estranhas, analfabetos são doutores e engenheiros, os sem currículo são bem-vindos, bem-vindos ao nosso estabelecimento comercial, os incompetentes são promovidos, isto há cada coisa…

Tão longe, nem à velocidade da luz chegava até ti. Impossível.

E na distância ficarás perdida eternamente, ausente entre dois segundos de nada, e eu, continuarei a caminhar, sem correr, devagar, até novamente encontrar outra constelação, das oitenta e oito, menos tu, são oitenta e sete…

E eis que da cabeça de alguns da minha ilha, como se acontecesse um milagre divino, pois também existem outros milagres, o nevoeiro deita-se cuidadosamente no jardim, e ao fundo, aparece envolto numa túnica amarrotada pelo tempo, El Rei. El Rei do burgo.

- Viva o Rei! Viva.

- Vassalagem a sua Majestade.

Que se foda o Rei. Cada dia uma esperança.

 

 

 

(texto de ficção)

Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:25

Aos poucos, os sinos e as campainhas deixaram de rosnar, o vento, esse maldito, derrubou o modesto telhado da vizinha, que nas horas vagas, e durante a noite, sempre pela noite, servia homens com cicio, adolescentes desnorteados, e ao domingo, ao domingo era a esposa do senhor, porquê só ao domingo, nunca tinha pensado nisso, podia muito bem ser à terça-feira, ou à quarta-feira, sim, porque não, mas não, tinha de ser ao domingo, é o melhor dia.

Aos poucos, o teu sorriso, como se fosse o hastear da bandeira nacional, em pequenos voos rasantes, tropeça na parede de xisto, e cai para o lado, foi bem feito, agora, agora já nem sorriso tenho, mas aos poucos vou-me levantar, voltar a sorrir, e…, e até já pareces uma viúva a falar, não desfazendo no marido que deus o levou, e que descanse em paz, e de barriga cheia, e se possível, dar umas cambalhotas, na vizinha, sim, porque não.

Aos poucos, o sol se traveste de chuva, e aos poucos, um silêncio infernal se faz sentir na rua, valha-nos deus, é o fim do mundo, uns corriam para casa, quanto a outros, abrigavam-se nas ombreiras, parecendo mais prontos-a-vestir do que refugiados da chuva vinda do sol, se houvesse quem gritasse, ele parecia mais uma ave quando se esquece do campo magnético, começou a chorar, então alguém percebeu que toda aquela chuvinha não era mais do que uma águia-real que vertia lágrimas, porquê, não sei.

E aos poucos, os sinos e as campainhas deixaram de rosnar, cada flor do meu jardim, levanta-se do sono profundo, estendem os bracinhos como se estivessem a espreguiçarem-se do nada, cansadas do nada, e cada vez mais perto, aproxima-se a tua mão que me chama, e em seguida, faz-me sinal para me afastar novamente, e fico sem perceber se me estás a chamar ou a despachar em correio azul, só de ida, sem direito a devolução, hoje não há sobras, vendeu-se tudo, também com tantos escândalos…, amanhã dou, amanhã.

Amanhã e aos poucos, a longitude perde-se da latitude, o eixo terrestre é desviado para dar passagem a vossa excelência El Rei, aldrabão, vendedor de sonhos, e contador de mentiras, e aos poucos, o povo começa a ficar farto; estamos fartos, sua majestade!

Uns, fartos do estado a que chegaram as coisas, e outros, fartos, de barriguinha cheia.

 

 

 

 

(texto de ficção)

Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:23

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