Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

02
Mai 15

Ouvíamos os tímidos limites da solidão

Como se eles pertencessem aos adormecidos fantasmas

Dos telhados de vidro

Não existiam janelas no teu peito

Nem sol no teu cabelo

Não havia um único rochedo de lágrimas

Que nos abraçasse sem querer nada em troca

Fomos engolidos pela paixão

Como são engolidos todos os pássaros

Pelas ingrimes tempestades de areia

O tecto deslizava encosta abaixo

Sentados na sombra

Trocávamos beijos

Por palavras

E palavras

Por nada

Nem ninguém

Em nossa casa

Vazia

E só

Regressávamos e apenas uma ténue luz nos esperava

De língua afiada

Lambia-nos envergonhadamente

Como quem desenha telegramas

Nos muros de xisto da paixão

O amor entre parêntesis no Rossio

O ponto de interrogação

(que tem o ponto de interrogação, meu amor?)

O ponto de interrogação massacrado pelas amarras do abismo

E mesmo assim

Queríamos voar…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 2 de Maio de 2015

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:06

02
Out 13

foto de: A&M ART and Photos

 

odeio-me por existirem dentro do meu peito as palavras das encarnadas flores

vivo inventando rosas

amores

e chuva miudinha sobre as íngremes rochas do mar da tristeza

sou um barco em fuga das conversas loucas que iluminam os teus lábios de papagaio em papel

e sobes entre o Céu nocturno do desejo

e desces às catacumbas do silêncio

há em ti uma palavra prometida numa tarde de Outono

e éramos crianças vestidas de negro

dançando sobre a mesa de um velho café

esquecendo as amarras Luas dos sótãos clandestinos como divãs de areia

na mala de couro adormecido que a tua mão saboreava

 

me levavas encarcerado até encontrares os beijos das garças quando rompem o cacimbo embriagado pelo capim dos poemas encalhados

distantes

doentes

húmidos

… teu corpo e teu vestido

sós simples abandonados... molhados como saliva de sémen na clarabóia da insónia

o texto reflecte-se no espelho da agonia

dorme

vomita

sangra das veias suicidadas as ardósias com sabor a chocolate

e baunilha

 

terminas a noite voando sobre a cidade dos anjos

entranhas-te em mim

és minha

como todos os livros que vivem na minha algibeira,,,

imagino-te sentada no Rossio

vendando folhas de cartolina com caracteres inanimados

mortos

imagino-te brincando em Cais do Sodré correndo sobre os carris da paixão

escrevem-me e esqueço-me que deixaste de pertencer aos meus sonhos

que deixaste de fabricar sorrisos nos fósforos das manhãs embaciadas

ruas infinitas à volta de uma fogueira de casas abandonadas

e... odeio-me por existirem dentro do meu peito as palavras das encarnadas flores

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quarta-feira, 2 de Outubro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:41

29
Jan 13

Dos ombros da prima Glória saltitavam os findos espaços que um suicidário amador deixou cair sobre os canteiros de rosas vermelhas, “cuidado – pintadas de fresco”, um silêncio transformado em palavras anunciava a morte do perfume melancólico que as devidas mãos de fábula exportam para os infindáveis Rossios das cidades suspensas na mesa número sete da esplanada com sombra para os defuntos organismos que a pura vaidade incendeia, plantas

Que o velho Horácio semeia,

Colhe,

O ressacado comboio dos sonhos amorfos, das palmas as palmas para o artista conceituado em turnê pelas janelas da rua do Alecrim, algures, neste país, algures num outro continente, há-de sempre existir uma rua como o nome de

Alecrim

Ou

Francisco qualquer coisa,

Tanto faz, dizias-me quando regressava a casa com a carteira esvaziada pelos vómitos e diarreias diárias, sentíamos o silêncio frio nas tardes de verão, e víamos, deambulando pela rua, homens, mulheres, crianças, todos, todas, elas e eles e eles e elas

Ou

A transpiração nocturna caminhando sobre um pavimento de alumínio entre duas bolhas castanhas, as flores dormiam, e tínhamos na algibeira meia dúzia de notas de vinte escudos enroladas como se fossem um tubo de queda, como os que se utilizam para escoar as águas pluviais quando torrencialmente chove, ou

Sentíamos os fluídos das madrugadas em flor entranharem-se nos orifícios vazios que um suicidário amador deixou cair sobre os canteiros de rosas vermelhas, “cuidado – pintadas de fresco”, um silêncio transformado em palavras anunciava a morte do perfume melancólico que as devidas mãos de fábula exportam para os infindáveis Rossios das cidades suspensas na mesa número sete da esplanada com sombra para os defuntos organismos que a pura vaidade incendeia, plantas, ou esperávamos pelo nascimento de um Francisco qualquer coisa

Ou, ontem, depois de encerrarmos definitivamente as mãos entrelaçadas nas sereias de amêndoa e darmos-nos conta que existiam rosas por pintar, mesmo lá no centro do canteiro 2B, no meio circunflexo, os sexos murchos das aldeias despidas pela solidão das noite em construção, a vaidade, quando vinha, não era para todos, e alguns deles, delas, deles e delas

Dormiam duplicadamente como os poemas incompreendidos que a avó Hortênsia escrevia antes de dormir, quando dormia, porque ela passava os dias e as noites e as horas e os minutos e os derradeiros segundos

Acordada,

E eu sabia que a velha era rija, como as pedras de Trás-os-Montes, e os pinheiros, e os pássaros e os homens, e as moças pintadas de vermelho, como as rosas de papel

“Cuidado – Pintadas de fresco”, e eu ouvia-as camuflarem-se no capim de ninguém, sabíamos, que os tubos de areia depois de mortos tinham dentro de si um líquido espesso, peganhoso como o mel, mas de cor diferente, pingavam pedacinhos de lágrimas de vidro, e continuávamos embrulhados nos suores frios das tardes de verão, e continuávamos embrulhados nas tórridas diarreias de insónia que as noites traziam de longe, estranhamente, sabíamos que os hotéis mórbidos das cidades com Rossios à deriva como um barco espetado num buraco negro algures no espaço longínquo, os quartos com casa de banho privativa arrumavam-se no quarto andar, e sobre nós, dormiam as clarabóias das estrelas sem futuro, e eu

Percebia,

E eu

Percebo,

Compreendo,

Não tenho dúvidas,

Ou

(E eu sabia que a velha era rija, como as pedras de Trás-os-Montes, e os pinheiros, e os pássaros e os homens, e as moças pintadas de vermelho, como as rosas de papel), que às vezes tinha sonhos que um velho de cabelo comprido e barba branca me roubava, e ficava sozinho, sem ninguém, à deriva sobre as alcatifas do oceano, aos poucos afundava-me, aos poucos deixava de ter força para remar contra as marés de inferno que o velho de cabelo comprido e barba branca não quis levar de mim,

Tínhamos

Ou

Já não sei como eram as nossas noites à lareira, já esqueci

E tão pouco me recordo das janelas de vidros riscados, as lentes dos óculos dormiam à cabeceira da avó Hortênsia, e confesso que tinha pena da velha, mas que podia eu fazer, nada, quase nada, e só depois do mel com sabor a qualquer coisas estranha, nós pensávamos que um Francisco vinha

E nunca regressou, e todos os tubos de areia morreram, e todas as bolhas castanhas morreram, e todas as notas de vinte escudos

Esqueci-me

E todas as notas de vinte escudos ainda hoje brincam na gaveta da mesa-de-cabeceira da avó Hortênsia, coitada, tão velha, mouca, e transporta um esqueleto virtual como peças sobresselentes compradas por um dos netos da última viagem à China, e tirando isso

Já não sei como eram as nossas noites à lareira, já esqueci os aviões e os barcos de papel, já não sei como eram as nossas noites à lareira, já esqueci os aviões e os barcos de papel e os papagaios de muitas cores que um cordel prendia ao portão de entrada de um quintal hoje fantasma,

Ouviam-se e deixamos de ouvir,

Esqueci-me

Como era o amor.

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:37

12
Nov 12

uma gaivota de sémen mergulha nos lençóis húmidos da madrugada

quando do clitóris desce o Rossio em direcção ao rio

das palavras

sento-me apaixonadamente no Jeronymo (Chiado)

e enrolo-me no café amargo que da mão da caneta de tinta permanente

escreve “para ti, com amor”...

e um silêncio de noite

entranha-se no novo livro de A. Lobo Antunes (Não É Meia Noite Quem Quer)

e eu quero

preciso urgentemente que seja sempre sábado

noite

sem estrelas

nem árvores

apenas o mar

e o rio

apenas tu

com amor

no poético corpo de gelo que a madrugada me oferece.

 

(poema não revisto)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:12

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