foto de: A&M ART and Photos
Poderia perceber a tua ausência, e mesmo assim, acredito nas planícies do teu olhar mergulhado em espuma e corações amarrotados, que vivem, que fingem viver dentro de algibeiras com janelas de porcelana, opacas, tristes muralhas para que me seja proibido
Olhares-me,
Habito num castelo sem escadas, muros, flechas com ponta de aço, e nem gaivotas me visitam, amo e sei que sou amada, choro e percebo que sou chorada, desejo e sei que sou desejada, e das tristes muralhas para que me seja proibido sonhar, oiço as tuas palavras contra os cortinados de vento, rodopiando em redor do meu corpo, suspenso, levitando como uma espada de aço no peito de um soldado,
Olhar-te e perceber que já não és tu, olhar-te e perceber que deixaste de pertencer aos uivos gritos das sandália plastificadas, sonolentas, olhar-te e perceber que eu não sou eu
Deixas-te de existir, vives não sabendo viver, comes, bebes, e esperas o regresso do mar que nunca ninguém nos garantiu que existia, que ninguém dos nossos presente garante ter visto, e no entanto, esperamos, temos esperança que desçam das sílabas mórbidas das flores comestíveis...
Olhares-me
Apareçam os tão desejados muros com alicerces de prata, o xisto revestido e desenhado como se de um vestido se tratasse, e os pássaros, esses imbecis... comem às mãos das costureiras que travestem agulhas e dedais antes de cair a noite
Sobre mim?
Olhar-te... cansa-me!
Beijares-me?
“Estou triste, meu amor, dizem que não vou ganhar a bicicleta...!”, e precisava tanto dela, e precisava tanto
De mim?
Não, não... chegava-me apenas a tua sombras disforme, envenenada pelos espelhos das montanhas adormecidas, na tela misturam-se cores abstractas, imagens fotográficas voam sobre um velho rio com cabelo branco, um planeta poderia chamar-se de “Uva Moscatel” e o meu próximo negócio vai ser precisamente vender lotes de terreno na Lua, assim
De mim?
Ou então
Melhor ainda,
Melhor de que lotes de terreno na Lua? Não, Não consigo deslumbrar...
Podias vender garrafas com o ar de Trás-os-montes,
Melhor ainda,
Podias vender garrafas com o ar do Douro Vinhateiro,
“Estou triste, meu amor, dizem que não vou ganhar a bicicleta...!”, e precisava tanto dela, e precisava tanto
De mim?
De ti e das tintas acrílicas para preencher as imagens a preto-e-branco das fotografias que suicidam árvores antes de cair a noite e de se evaporar a tarde, na Feira da Ladra?
Saem três garrafas de ar de “Trás-os-Montes”,
Com certeza, minha adorada senhora, é para já... deseja factura?
Não?
Olhar-te e perceber que já não és tu, olhar-te e perceber que deixaste de pertencer aos uivos gritos das sandália plastificadas, sonolentas, olhar-te e perceber que eu não sou eu, olhares-me e entenderes que sou, fui, e serei
Esquelético?
Não, não minha querida,
Às vezes sinto-me uma mesa de uma sala de jantar, à minha volta, imensos parvalhões sentados em cadeiras forradas a pele de crocodilo, apetecia-me prender-lhes as pernas com uma corda e atirá-los pela janela, ouvia-os caírem sobre os rochedos da madrugada, partia-se uma das garrafas com ar do “Douro Vinhateiro” e
Quanto custa?
São vinte e cinco euros, vinte e cinco deslumbrantes euros, e se o desejarem
Autografadas?
Claro, não problema...
“Estou triste, meu amor, dizem que não vou ganhar a bicicleta...!”, e precisava tanto dela, e precisava tanto
De mim?
De ti?
Claro, não problema...
(Ficção – Não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 18 de Setembro de 2013