Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

28
Jul 11

O desespero do esqueleto

Suspenso nas margaridas e nos malmequeres e nas tílias da vida,

 

A noite bate à porta secreta dos óculos poisados na mesa-de-cabeceira, o esqueleto pendurado no guarda-fato disponível para se transformar em pedacinhos de poeira, e o néon de esperma derretido sobre as nuvens, cânforas manhãs de espuma sobre a toalha de plástico que adormece na cozinha, abre-se a porta, e um amontoado de palavras que fugiram do texto, pousam-se nas lentes, e pensam, entramos, não entramos, decidem entrar e esconderem-se nos meus olhos, e os meus olhos cegam-se na luz infinita dos eletrões encaixotados nas finíssimas vogais das palavras,

 

Fecho a porta secreta dos óculos, chamo pelo macio pano de seda e humedecido nas lágrimas das silabas acaricio-lhes o vidro das janelas, poiso-os novamente sobre a mesa-de-cabeceira e adormecem, é meia-noite e todos em casa dormem; O desespero do esqueleto suspenso nas margaridas e nos malmequeres e nas tílias da vida, e a vida extingue-se no fumo dos cigarros.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 16:58

13
Jul 11

As estrelas,

Pintadas de fresco no teto da sala, a placa metalizada onde se lia “não tocar”, frente aos correios o banco de jardim em madeira engolido pelos anos e anos e anos, e foi há tanto tempo, “não tocar”, e ele tocou, a mão impressa numa nuvem de fumo, os cigarros quando acordam mal dispostos e a dor no estômago, o batimento das ripas de pinho entre os parafusos das tuas coxas, recorda-se ele, as conversas que tínhamos, murmura a silaba folheando livros e acariciando a pétala de rosa que o ponto de interrogação de ofereceu, há tanto tempo, e foi há tanto tempo que as estrelas deixaram de se embrulhar nos lençóis de sombra da tarde, e da noite, e da noite depois da noite, na madrugada,

- Kafka embainhado no PROCESSO, e os olhos da vogal tingiam-se de negro,

A silaba em gemidos de desejo nas mãos do ponto de interrogação, um silencioso Ai despe-se e os seios em queda livre no peito dele, a mão direita do ponto de interrogação em palmos milimétricos, percorrem a pele fina e escura da silaba, uma pausa no umbigo, abre o vidro e lança a beata de cigarro de encontro ao pavimento do envelhecido paralelo granítico, fecha o vidro, destrava a mão e em acelerações de lesma recomeça a viagem até ao púbis encolhido nas calças de ganga, um obstáculo, e a mão entalada no cinto de couro,

- E agora?, pensa o ponto de interrogação,

A mão emagrece e contorna o obstáculo, a silaba em gemidos aumentados, PÁRA, POR FAVOR, eu começo a reduzir a velocidade até me imobilizar numa zona semeada de arbustos espessos, A relva do jardim?, o ponto de exclamação que ia a passar nesse momento acena-me com a cabeça que não, não é relva, POR FAVOR, PÁRA, e eu pensava, Eu estou parado!,

- A mão desprega-se do meu corpo e entra dentro das calças dele, e desgovernada como um automóvel pela rabina até ao rio, cambalhotas e cambalhotas, e quase quando ela chega à água finíssima do douro, uma coisa cilíndrica grossa e dura, o xisto humedecido sobre as fendas da terra,

Entro na garganta das coxas dela, e a silaba uma enguia quando sai do rio, a silaba suspira e transpira, a silaba engolida pelo ponto de interrogação, a frase move-se no texto encolhido na noite, a frase um amontoado de gemidos e latidos, e do texto pedacinhos de letras começam a saltitar, o xisto humedecido sobre as fendas da terra, e os minutos intermináveis de silêncio,

- Kafka era louco, a vogal para mim,

O ponto de exclamação diz que não, estrelas pintadas de fresco no teto da sala, Se estou a vê-las!, e eu não acredito nas palavras da vogal,

- Era só o que faltava, estrelas pintadas de fresco no teto da sala!,

Frente aos correios o banco de jardim em madeira engolido pelos anos e anos e anos, e foi há tanto tempo, e foi há tanto tempo que a primavera deixou de viver…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 14:07

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