Uma tarde destas nunca se esquece, não, nunca, e a t-shirt de alças enrola-se-lhe no corpo quando na janela o som do sol adormece na tarde, ela sorri às frestas da sala e murmura palavras em silêncio, gemidos escancarados quando da rua sobe até ao quarto andar o chamamento de uma gaivota em transe, ele e ela, minúsculas gotinhas de suor os separa, pequeninos pássaros poisados nos plátanos, ele abraça-a e sente a pele dela embebida na t-shirt e a t-shirt com o caminhar dos segundos empapa-se-lhe misturando sorrisos com lábios, misturando boca com nuvens, dos seios semi-nus vêm até ele palavras, vêm até ele sílabas e vogais, e o corpo dela parece estar dentro de um hipercubo, e entre ela e a luz, entre ela e a luz uma finíssima t-shirt de alças baloiçando nas mãos dele.
Um cigarro engasga-se e finge esconder-se na sombra do soalho, do sofá emerge um veleiro à procura de vento, o cigarro perde-se e desaparece na noite, a t-shirt aos poucos emagrece, diminui, e esconde-se junto ao mar, o centro de massa do corpo dela desloca-se, roda nas mãos dele, as mãos dele acariciam as coxas transpiradas dela, no vácuo sente-se o cheiro a musgo que se multiplica no chão, pequeníssimas gotinhas de prazer saltitam num crucifixo pendurado na parede que os olha, da boca dela crescem ondas,
- Amo-te
Da boca dela a palavra amo-te pendura-se no púbis, crescem ondas que brincam com o néon que lhe ilumina os seios que brincam na minha mão, sinto-os como sinto a maré quando estou deitado debaixo de uma mangueira, e à minha volta o capim aleija-me nas costas, da boca dela a palavra amo-te leva-me até Luanda, sento-me no meu triciclo de madeira, e sei que o corpo dela aos poucos mistura-se com o meu, somos apenas um corpo no chão da sala,
- Amo-te
Uma tarde destas nunca se esquece, não, nunca, na Baía de Luanda a noite começa a engordar nos ponteiros do relógio que tenho pendurado na cadeira onde estou sentado, finjo estar acordado, mas por entre as nuvens olho o corpo dela que se esconde no luar, e percebo que também eu, também eu a amo muito…
(texto de ficção)
Luís Fontinha
28 de Maio de 2011
Alijó