Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

11
Ago 20

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Acrílico s/tela 70x100 – Francisco Luís Fontinha

 

Um silêncio de espuma poisa suavemente no teu olhar, a manhã fria, passeia-se pelo jardim imaginário da sombra, o perfume do teu sorriso vagueia, lentamente, nas amoreiras em flor, cansada, a manhã, alicerça-se aos braços do poeta, que incendeia palavras junto à árvore do silêncio,

Ouves-me?

Grito.

O grito da corça, o vai-e-vem dos sons melódicos do desejo quando abraçam o corpo camuflado no silêncio de espuma, as flores, o amor quando as flores brincam na eira granítica do sono e, ao longe, o tão esperado fim-de-semana,

Amanhã, vens?

A sepultura do esqueleto ósseo dorme, as lâmpadas da noite, em queda livre, suicidam-se nos pequeninos pedaços de papel que o poeta amarrotou durante a tarde,

Sombras de néon sombreiam o teu no corpo embalsamado pelo silêncio, aquele de espuma, que habita na cidade dos pássaros,

Flores, meu amor, são apenas flores…

E, ninguém sabe a que horas abre o jardim do descanso, com banquinhos de madeira cansada pela tempestade da tarde,

Amanhã, vens?

Claro que sim,

Flores, donzelas, meninos e meninas, o circo chegou à cidade dos pássaros e, os pássaros, todos eles, vestiram-se de palhaço; o pobre, o rico e, o grande palhaço do Reino, que existe, mas que ninguém conhece.

Abrem-se ranhuras no gesso fendido da madrugada, todos os gemidos nocturnos, de variadas cores, alimentam o orgasmo imbecil da esperança, acreditava em pássaros, meu amor,

Amanhã, mãe?

Ai o amor, meu querido, quando dormes sobre uma lâmina de granito, encostas a cabeça ao meu ombro, depois desces a calçada em direcção ao rio e, beijas-me loucamente,

Acreditas no destino, meu amor?

Talvez meu filho, talvez,

Um zero à esquerda, sentou-se sobre o paralelepípedo do sono e, embarcou numa jangada para a ilha dos amantes.

Hoje, sou um pedaço de silêncio de espuma.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 11 de Agosto de 2020

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:05

09
Ago 20

Sou eu. Sou eu, o silêncio suspenso nos teus lábios de acrílico suspiro, a madrugada pincelada na tela inventada pela noite, regressam as sombras dos automóveis cansados, quando todas as ruelas da cidade, desenhadas pelo luar, são apenas sombras, manhãs desesperadas, corpos embalsamados, esqueletos de papel semeados nos campos marítimos do desejo,

Amo-te.

Sou eu, a claridade das tuas mãos quando acariciam o meu rosto de xisto, deitado sob a clarabóia do amanhecer,

Um barco, meu amor,

Um barco deitado sob a clarabóia do amanhecer, os suspensórios tristes que pegam nas calças calcinadas pelo vento da manhã, meu amor, um barco de espuma, um lençol de vómito descendo a calçada em direcção ao rio, lá longe,

Amas-me?

Um pequeno alfaiate desenhando sílabas na areia do Inferno, automóveis cansados que se apião nos apitos nocturnos da insónia, valha-me meus, menina,

Sim, meu amor,

A menina é tão bela, como o silêncio de todas as esplanadas, no Verão, antes de abrirem as cancelas da solidão, pego no teu olhar, imagino um carrossel de sémen brincado no sótão do homem de negro, dos olhos, a venda espelhada dos fins de tarde, nem mais, uma criança grita pelo papel vegetal que alimenta a mão do artista,

Então os desenhos?

Estão quase, repentinamente escreve ele no muro da imaginação, olho-te e, escrevo-te, entre parêntesis e pontos de interrogação,

O texto, meu amor,

O texto constrói-se na tarde, invento meninos de chumbo perfilados na avenida, todos de máscara, como os espantalhos de Carvalhais, amanhã

Amas-me?

Amanhã todos os santos são estátuas de sofrimento, altares de espuma esperando o regresso do comboio, o sem-abrigo procura sombras na imensidão da cidade, e tu, meu amor

Amanhã,

Abrem-se as cancelas do desejo, existe em ti o infinito amanhecer, descalço, como medo de amr, corre, corre em direcção ao mar, porque

Amanhã?

Sim, porque amanhã a noite será uma jangada de vidro no silêncio dos rochedos enamorados pelo abraço.

Sempre em ti, este cansaço de amar.

Romântico amanhecer.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 09/08/2020

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:21

21
Mai 20

(a pequenina bola de algodão)

 

 

No mar. Embrulhada nas palavras, a pequenina bola de algodão saboreava as sílabas do desejo, inventava paisagens perto de um rio, esquelético, frio e, ausente, a pequenina bola de algodão sabia que um dia, do mar, o seu mar, regressaria a paixão dos peixes, os poemas e, algo mais estranho do que simples palavras; a ausência de.

Dormia no sótão dos beijos, tinha sobre a cama algumas bonecas de trapos, a quem diariamente, penteava como se fossem searas de trigo abraçadas ao vento, do rio, o cheiro intenso a lágrimas de despedida, como quem parte e nunca mais regressa, ao destino, fugia-lhe sempre que podia, pois da ausência, a ausência escrevia nas suas mãos as tempestades de música, alguns desenhos e, livros.

No mar. Sentava-se num rochedo de silêncio, desenhava na areia as paisagens brancas da infância, pequenas luzes multicolores que habitavam do outro lado do sótão, como as flores murchas de um jardim envelhecido. Todas as noites jazia gritos nas janelas sombreadas da cidade dos vidros, adormecia agarrada aos braços do poeta, enquanto ele, fumava cigarros invisíveis e, dos incêndios clandestinos da manhã, outras gravuras se levantavam do chão; é tarde, meu amor e, amanhã, sempre que possa, a lonjura da solidão será apenas uma fotografia, velha e, ténue.

Velha e rabugenta. No mar. do mar. a pequenina bola de algodão, todas as tardes, banhava-se nos imperfeitos nevoeiros que longinquamente dormiam junto à tapada, as árvores e, os pássaros, como eu, como ela, desvaneciam nas pedras murchas da eira, quando o cereal já brincava e, meninos com uma bola, todos em calções, atiravam máquinas em papel contra as paredes de tangerina. Tenho medo, dizia às vezes a pequenina bola de algodão,

Do mar?

Não. No mar. Da noite cansada e vencida, das toalhas em desalinho sobre uma mesa destruída pela idade e, a velha flor, essa, não tinha medo. Beijas-me?

No mar?

Uma canção de incenso escondida na noite.

E, acordava a manhã nos teus braços de algodão. Uma canção, sempre a mesma, ausentava-se da melodia e, em pequenos gritos, alguns, renascia das húmidas tarde de Primavera.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 21-05-2020

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:06

12
Mai 20

Cansado da cidade dos sonhos, o cheiro a alecrim em pedaços de sorriso, enquanto lá dentro, no silêncio da tasquinha, a alvorada acorda como acordam, de manhã, todas as alvoradas,

Existe o medo, no teu sorriso de amêndoa, sentas-te, constróis sorrisos no meu olhar, semeias a esperança nas minhas mãos calejadas pela enxada da vida, o extinto silêncio de uma noite tricotada numa velha folha de papel, as árvores sombreiam as loucas abelhas das ruelas em cio,

Uma rua, chora,

Fictícios livros travestidos de sofrimento, alimentam a loucura das tardes junto ao rio, uma fotografia, feliz de ti, sorri-me e, desenha-se no meu corpo,

Ouve-me,

Lá longe, o oiro da solidão pregado numa parede granítica, aflita de dívidas, no sótão habita a fome, livros há muitos, mas apenas comemos sombras desde ontem,

No entanto,

Estamos felizes,

Muito.

O mar aconchega-nos aos três, lá fora ouvem-se as pedras da azafama que sustentam as ruas da paixão e, o mar é amigo dela,

Abraça-me, lê-me um poema de ninguém, que eu perceba, como o vento, em todas as tardes de vento,

A arte de comer sombras, duas partes de luz e uma de água, mexe-se bem, agita-se, e na mesa uma travessa de lagosta, suja, cansada da vida, como eu, quando o gelo do uísque aterra na minha mão, juntos às palavras, palavras, honestas, fiéis ao labirinto do medo e, nos joelhos, as páginas de um velho Jornal,

Amanhã chove.

E as flores?

Que têm as flores, a não serem flores, com cores, em papel, em marfim, em pedacinhos de luz,

Amanhã chove.

Oiço na tua mão a trémula palavra do amor, as vinhas dormem nos socalcos da solidão, porque a noite é bela, porque a noite é parva, como ela,

Chove, amanhã?

Amanhã chove.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 12/05/2020

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:28

30
Abr 20

Naquela tarde, a saudade alicerçava-se ao sorriso e, este, convalescente do medo, dava a mão à solidão, os pássaros brincavam nas janelas do silêncio, saltitavam como pedras envenenadas por uma laranja de mau-gosto, o amor,

- amas-me?

Como sempre, poisada nas escadas do sótão, a caneta de tinta permanente, às vezes cansada dos versos sem nome, sublinhava na escuridão as sílabas que apodreciam no jardim lá de casa,

- Tenho medo,

Dizia-me ela ao acordar,

E, no entanto, as almofadas continuavam suspensas na janela do sótão com fotografia para a noite, descia os cortinados, sentava-se no colchão envergonhado pelo sémen e, nada, apenas o cheiro intenso do alecrim, um pequeno ramo que o afilhado tinha deixado pela Páscoa,

- O folar, apelidavam-no de poema inverso, desplante manhã de Primavera, entre a agonia de um dia e a tristeza da noite, velhinha, folgaz, teimosa nas camadas finas de poeira que assombravam os móveis,

Mesmo assim, ao deitar, preparava um beijo, flores amargas, sonolentas, que a faca da cozinha laminava como drageias no imenso clarão da cidade,

- O Padre,

Bom dia, bom dia,

Que horas são?

Incêndios entre corpos carnívoros pelo cansaço do sexo, é tarde, dizia ela, e o amar entrava sempre sótão adentro,

- Estou longe,

O ausente, camuflado homem das tristes sobrancelhas, rabugento, feliz pelas palavras das abelhas e, todas as marés anoiteciam no falso ouro das grandes avenidas que circundavam o sótão da saúde, tenho medo,

- Amanhã o Inverno será tardio, o feriado, um pouco mais de azul, na poeira que adocica todas as palavras do dicionário, como sempre, a saudade, o amor, a paixão,

- A paixão come-se?

Às vezes, meu amor, às vezes come-se; outras, bebe-se.

 

 

Francisco Luís Fontinha

30/04/2020

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:38

30
Mar 20

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Alguém morreu, pensei eu, o portão do cemitério aberto, os pinocos anti estacionamento colocados a preceito para que ninguém se alicerçasse ao pequeníssimo espaço, tudo sinal de que haveria um velório.

Parei, peguei num minúsculo cigarro de fumo, folheei o Jornal Público e, sobre as árvores o silêncio dos pássaros, alguns, adivinhando qualquer coisa de estranho, talvez eles já soubessem que alguém se tinha despedido da realidade e enveredado pela sinfonia do Adeus, perguntei-lhes

- Quem morreu?

Que não sabiam, tinham acabado de regressar de viagem e, verifiquei três o quatro pessoal, vestidas de negro, que pareciam esperar alguém,

- Temos medo, Senhor,

Medo, perguntei eu?

Do vento, diziam eles, medo do silêncio e, das amendoeiras em flor,

Percebo, percebo, mentalmente refazia-me do susto de alguém ter adormecido durante a noite e ninguém à sua espera quando regressasse,

- Sabe, Senhor?

A morte é triste,

Pára um carro funerário, lá de dentro sai um caixão escuro, vestido de tristeza, as poucas pessoas que o aguardavam, choravam, em silêncio e, o mar estava longe, poisei o Jornal, deitei no cinzeiro a beata que restava do meu alimentado cigarro, apetecia-me acompanhar o velório, mas não o fiz, fiquei sentado,

Um dos pássaros começou a cantar:

 

Capitalista de merda

Mete o dinheiro no cu

Dá o dinheiro ao operário

Que trabalha mais do que tu

 

Vai o enterro a passar

Foi a filha do operário

Que morreu a trabalhar

 

Fiquei incrédulo, não acreditava no que acabava de ouvir, entre lágrimas, alguém desenhou um finíssimo sorriso de sangue e, entre o sol, as flores aplaudiam como se o cansaço das lápides estivesse a terminar,

- Acabou, acabou disse-me ele,

E, tudo acaba; entre silêncios e lágrimas de chocolate.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

30/03/2020

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:22

29
Mar 20

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São horas.

Trago nos pulsos a terminante esperança de caminhar junto ao rio. As luzes das palavras são a caminhada para o futuro, já não tenho medo de caminhar, Paris é lindo, são os poetas, como eu, são os pintores, como eu e, os livros, como eu.

Também eu sou um livro, talvez a poesia tenha acordado em mim, já cá estava, sempre esteve, e agora, voltou a acordar. São horas são horas de caminhar em direcção ao caminho que sempre quis percorrer.

Tenho saudades, mãe, muitas saudades das tuas mãos, quando a colocavas no meu rosto, cinzento, fumegante dos cigarros envenenados e, o pai inventava lágrimas no meu olhar. As ruas estão recheadas de gente, bonita, nova, sempre a correr em direcção ao nada, com fome de escreverem na palma da mão o cansaço olhar da melancolia madrugada, já não tenho medo, mãe, já não tenho medo de amar, sorrir e, correr.

No entanto, às vezes, o poço que existia, deixou de existir, cansou-se de mim, morreu. Paris, mãe, Paris é linda, subi à torre Eiffel, quase que te encontrei, mas não estavas lá, ontem fui visitar uma igreja, coloquei uma vela por ti e pelo pai, sei que tu sabes que eu, o teu querido filho, não acredita em Deus, mas tu acreditas, mas o pai acredita, espero que gostes.

São 20:00 horas.

Comprei alguns livros, sobre o Louvre e sobre a cidade de Paris. Sabes, mãe, sou louco por livros, sabes, mãe, gosto de escrever, e escrevo-te deste sítio belo e encantado, todas as noites, e tu vais ajudar-me a vender os meus livros, os quadros e, no entanto, as palavras são o bálsamo da minha estória.

São 20:00 horas, a caneta expressa-se, vinga-se nas minhas mãos e, as palavras soltam-se como uma bala disparada por um canhão de espuma. Desenho-te no meu peito, escrevo-te, sinto as ruas desertas e não consigo adormecer com o silêncio das lâmpadas do desejo, oiço a voz das tristes alegrias e, por vezes, oiço a tempestade, e todos os livros dormem.

Que saudades do Pacheco. Meu querido Pacheco! Que saudades…

São horas. São horas de dormir, de comer, de passear em todos os caminhos, sempre em desespero de conseguir acompanhar o sofrimento da minha alma. Os pássaros, mãe, os pássaros que habitam na minha mão e, talvez estas palavras sejam o princípio de uma história, um velho poema amarrotado, um silêncio disperso na madrugada ou, nada.

Que saudades, meu querido Luiz Pacheco, que saudades das tuas palavras, palavras que absorvo com a saudade, com o medo, da noite, e é na noite que me perco nestas ruas esfomeadas de luz.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Paris, 07/03/2020

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:39

(…)

 

Um par de cornos, um avental e uma faca do tamanho de um beijo, uma merda, a minha vida, a dela e a vida de quem não dorme…

Conhecia-a numa noite de Inverno, no planalto do desassossego habitavam as planícies da solidão, dias a fio encurralado numa jaula, à janela tinha a companhia da Gaivota Desejo, conheci-a numa noite de Inverno enquanto acendia a lareia, confesso, nunca tive, não tenho… apetências para lareiras, o meu caso é mais de insónias, tardes confusas

Confusas?

Sim, confundo o triste olhar do céu com os beijos da geada, sim, confundo os plátanos nus com a tua nudez… e que desperdício, o desgosto de acordar tarde, e tu

Sofrias de sinusite aguda, durante a noite não dormias, já dormes, meu querido? Não, não durmo, e de sinusite aguda transformou-se numa loba, tinha asas e voava sobre o Tejo,

E tu, e tu acreditavas que eu era marinheiro de profissão, tinha dois filhos e morava num cubículo recheado de velharias, alguns livros, dois ou três pratos e uma colher, a sopa infestada de sono, a sopa entranhada entre o ontem e o amanhã, não, não meu querido, não acredito numa só palavra tua,

Confusas?

Distantes e abstractas todas as minhas manhãs, conheci-a numa noite de Inverno, algas mortas, as profundezas da palavra acorrentada à lareira, bêbado, sou bêbado… cambaleava sobre a areia fina do destino, tinha dois filhos e morava num cubículo recheado de velharias, alguns livros, dois ou três pratos e uma colher, a sopa infestada de sono, o sono enfestado de sopa, e nunca vi o mar, meu querido, o mar…

Durmo!

À meia-noite regressava o eléctrico, descalça com os sapatos de salto alto suspensos no cansaço, vomitavas as dores do teu camuflado esqueleto pela manhã, vomitavas

Ela já foi dormir…

Vomitavas todos os gemidos da Sinfonia da paixão, acreditas, meu querido?

Fui despedido

Durmo! Ela foi dormir, ela quase nem me olhou

Boa noite…

Fui despedido e agora vou viver de esmolas e serviçais serviços, boa noite, ela já foi dormir, fui despedido como são despedidos todos os poetas, dizem que as mulheres têm o prazer de despedir poetas,

Foda-se o poema,

Boa noite…, nada mais, boa noite e partiu sem deixar rasto, algumas roupas, uma pequena pasta com alguns papeis e uma esferográfica, talvez comece a escrever, escrever-me definitivamente com o meu nome, endereço e rua,

Ela partiu, boa noite, cansaço o caraças…,

Um par de cornos

O caraças, tu andas é com algum Mânio, iletrado, dormir, fui despedido acreditando que levaria a vida de escritor,

Uma merda, escrevo uma merda e merda

Um par de cornos, um avental e uma faca do tamanho de um beijo, uma merda, a minha vida, a dela e a vida de quem não dorme…

A via não regressa mais aos teus braços, meu amor, sentíamos os gonzos da insónia acorrentados aos nossos lábios, o dia consegue alimentar-se das ardósias sonsas do olhar, a noite envergonha-se nos nossos medos, de amar, ser amado, amarmo-nos sem percebermos que amanhã o amor é uma lápide de lágrima, tive um sonho esta noite, estávamos sentados na saudade

Saudade, meu amor? Sim, sim meu amor, sentados na saudade, as cancelas da morte entreabertas, sentados na saudade,

Amanhã, meu amor, os pássaros brincando na janela virada para a Quinta, ao fundo o Rio, o Douro envergonhado galgando os socalcos do desejo, a vida

Não, não regressa mais aos teus braços

Meus amor?

Sim, claro, amanhã, amanhã sentiremos o odor dos sufixos aprisionados ao Dicionário da paixão, a encosta, o medo de perder-te, meu querido, enquanto lá fora a noite vomitava fotografias da tua infância,

Saudade?

Os brinquedos, os primeiros beijos e cartas de amor, o papel, os poemas em pequenos suicídios, milímetros de suicídio, aos poucos, a partida, o Adeus, a brincadeira,

Não, não meu amor, amanhã não

Não consigo absorver-te como te absorve a noite, as laminadas fragâncias enferrujadas no cabelo da invisível maré de Azoto,

Saudade?

Os brinquedos…

 

 

(…)

 

Francisco Luís Fontinha

In “Amargos lábios do Poema”

publicado por Francisco Luís Fontinha às 11:14

04
Jan 20

Eu sabia que era noite.

Percebia que as lâmpadas da saudade se acendiam pela primeira vez, e, no entanto, dentro de mim, uma simples constipação de palavras brincava num pequeno verso,

Triste, distante, eu sabia que era noite, e que os holofotes da desgraça vinham em minha direcção.

Esqueci-me de olhar o pôr-do-sol, não interessa, amanhã novo pôr-do-sol acordará, sem insónias, sem preguiça, como hoje, dentro dos lençóis iluminados pela tempestade de silêncio que se faz sentir dentro da casa, submersa em pequenos fios de nylon, e às vezes, não muitas, o poeta arrepende-se de ter escrito o poema; acontece quando o amanhecer é tardio, frio, ambíguo…

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

04/01/2020

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:43

25
Dez 19

Não sei o que te dizer, meu amor. As esplanadas estão recheadas de vampiros, vestidos de branco, ao longe sinto o vapor da saudade, vem em minha direcção, como um foguete, no Verão, nas festas de aldeia.

Não, não sei o que te dizer, meu amor. Apenas que está frio, que todos os meus livros, que são muitos, resolveram apedrejarem-me, por tudo ou por nada, eu não fiz nada;

As serpentes, meu filho.

Não o sei, mãe. Nunca soube porque foste embora, como a Primavera, quando parte e nada diz às andorinhas que vai partir.

As serpentes, meu filho…

Que têm as serpentes, mãe?

O vento trouxe a morte, depois o vento trouxe a solidão, dos dias, das noites, das madrugadas sem dormir…

E tu, sorridente para mim; pareces feliz!

Eu não percebo porque o vento é assim,

Assim, como, meu filho?

Assim, triste, furioso, malandro, quando corre para mim, e sei que foi ele que te levou para longe, para junto das montanhas, o amanhecer é sempre triste, como todas as manhãs ao acordar, percebes?

Não, não percebo.

E depois regressa a cegueira dos homens, também eles, como os vampiros, vestidos de branco. Vem de lá o orgasmo da saudade, traz dentro dele a tristeza da poesia envenenada pelo Cacimbo, o capim esconde-se no meu peito, um papagaio em papel, construído por ti, valentemente me abraça; acredita, mãe, não é fácil abraçarem-me, principalmente durante a noite, tenho medo das sombras do teu sorriso, quando reparo no pavimento as tuas lágrimas de despedida, como hoje, como ontem, a alvorada engana-se nas horas, acorda, acorda-me e morre, como tu.

E morre como tu.

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

25/12/2019

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:22

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