Sobre mim as sombras do meu quintal
Os azulejos do meu peito agoniado
Em migalhas evaporadas na maré
Inerte na penumbra manhã
Cansado no desejo dos ramos envelhecidos
O meu corpo range e os alicerces em ruinas
As mãos despegam-se dos braços
Como espigas de milho quando tombam na água
O meu corpo não presta e é lixo
Meia dúzia de ossos e parafusos
Na procura do aço de que é construído
E que se derreteu nos engasgos dos pássaros
Tu és lixo dizem eles
E escrevem nas paredes imaginárias dos olhares
E quando por mim passam
Baixam a cabeça e dobram-se como cobras rastejantes
Metem-me nojos os homens e mulheres
Que quando acordam não se veem ao espelho
E não se dão conta quando sentados na sanita
Que deles e de todos nós sai merda
E que cagamos e mijamos
Duas três vezes ao dia
Não importa o dinheiro não importa a beleza
De dentro de todos nós nasce merda
Resíduos que proliferam nos rios ruas ou ruelas
E alguns até são doutores
Engenheiros ou agricultores…
Ou putas donzelas
Eu sei que o meu corpo é lixo
Percebo que a minha vida seja lixo
E que não passo de um miserável
Mas não precisavam de escrever nas paredes imaginárias
E não precisavam de me apontar o dedo
O meu corpo é lixo
E eu sou os resíduos da sanita
Mas na mistura da merda que sou
Vivem milhares páginas
Milhares de poemas
Que de nada servem…
Porque alguém decidiu que eu sou lixo.