Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

28
Jul 13

foto de: A&M ART and Photos

 

Esquilos, nozes em vozes, mamilos denegridos, absortos, lábios lânguidos, corpos absolutamente sós, como eles, e como nós, os vizinhos quando lhe batiam à porta em maciça madeira, ele, ainda embriagado pela poesia não escrita, escondia-se, fazia-se... morria, não percebendo depois, que tudo era a fingir, acordava, voltava a dormir, deixou de sorrir, deixou de viver, não queria passear-se pelas cansadas margens de um doente rio, vivia-se, e ia-se vivendo, não sabendo, nunca, o horário penumbro das amendoeiras em flor,

Descia-se,

Subia-se,

E chorava-se,

Esquilos vaidosos roendo nozes de brincar, fantasia, histórias ao almoçar, sobre uma pequena mesa, de pedra, no quintal, uma árvore e um pássaro, preto, bico amarelo,

Melro?

Melro, talvez, porque não?

Inchados, os pilares de areia que seguram as amarras das tristes varandas com murchas flores, ao longe, a praia, o silêncio, o corredio de machimbombos vomitando sonhos adormecidos entre o Baleizão e o Mussulo, batiam-me à maciça madeira porta, eu, eu escondia-me, ou simplesmente berrava

Não estou em casa, hoje,

E eles, elas, acreditavam..., tão parvos, e continuava fingindo dormir, quando na verdade, eu, eu estava morto, desde criança, morri, recordo-me vagamente, tinha alguns poucos, não muitos, seis anos de vida, lembro-me como se fosse hoje, era Setembro, brevemente começavam as vindimas

O que são vindimas, pai?

É o apanhar das uvas...

Uvas, o que vão uvas, pai?

Não percebia que as videiras

Pai, sim filho, o que são videiras?

Não percebia que as videiras davam uvas, que existiam cachos, e lembro-me como se fosse hoje, era Setembro, quase, quase começavam as vindimas, e lembro-me, morri, depois, embrulharam-me num lençol de água salgada, permaneci assim cerca de vinte e oito dias, era Outubro, caiam as folhas das árvores, e eu, eu perguntava-me porque caiam as folhas das árvores,

O que são vindimas, pai?

É o apanhar das uvas...

Uvas, o que vão uvas, pai?

Não percebia que as videiras

Pai, sim filho, o que são videiras?

E pela primeira e última vez, eu, eu tive vergonha de perguntar ao meu pai

Pai, porque caem as folhas das árvores?

Eu tive vergonha de perguntar ao meu pai se esta terra era para sempre ou apenas para eu brincar, e começaram as chuvas, e o frio, a geada e a neve, e eu, eu morto, fui ficando, fui ficando... embrulhado num lençol de água salgada.

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:58

29
Set 11

Oiço a voz cansada do fim de tarde

Nas entranhas dos socalcos mastigados

Oiço o levitar agitado da manhã

Enquanto me sento e levanto

 

E corro entre o xisto magoado

Prendo-me ao monitor do computador

E da janela oiço a voz cansada do João

Do Manuel do Zé do Carlos e das nuvens em solidão…

 

E do António agarrado a uma flor

Sonâmbulo sobre quatro rodas do trator

Oiço oiço o Manuel a gritar…

- Doze e dezoito

 

Impossível penso eu

Deve ser das ondas do mar

Olho o céu

E oiço o Manuel a cantar

 

Enrolado nos braços do Rui

Oiço as pedras sobre o pôr-do-sol

E o Manuel a ateimar

- Doze e dezoito

 

Impossível de dar

Não há uva que resista

A tanto chorar…

 

Cerro a janela

E desligo-me do douro adormecido

Deixo a uva bela

Na cuba a fermentar

E amanhã do meu corpo dorido

Vão crescer sonhos de sonhar…

 

E oiço oiço um cão a ladrar

Na paisagem ente o rio e a montanha

Socalcos mastigados

Na garganta de uma aranha

 

Oiço a voz cansada do fim de tarde

Nas entranhas dos socalcos mastigados

 

E das lâmpadas do céu-da-boca

Acordam os meus lábios apaixonados…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:31

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